março 30, 2008

O que é o multiculturalismo? (como ideologia e política pública) - Parte III


1. É conhecida a apetência sociológica portuguesa pelos produtos importados, sejam eles banais bens de consumo, ou produtos culturais sofisticados. Esta apetência leva, não invulgarmente, a tentar reproduzir modelos de outros países que, frequentemente, são apenas conhecidos de forma parcial e nas suas facetas mais atractivas, e se auto-justificam pela autoridade que lhe é conferida pelo facto de terem origem num país mais desenvolvido, associada à novidade da sua introdução em Portugal. Aparentemente é isto que se está a passar na propensão para importar o multiculturalismo. Todavia, isto não é apenas uma questão de moda, ou de apreciar a diversidade dos sabores gastronómicos com origem em várias partes do mundo (como na série de selos lançada pela European Postal Organisation PostEurop, em 2005). Por isso, valeria a pena olhar com mais atenção para a experiência canadiana. Esta, pelas razões anteriormente apontadas, é um caso de (in)sucesso muito mais complexo e problemático do que normalmente é apresentado. Para além disso, convém não perder de vista que a experiência histórica do Canadá como Estado soberano, e a matriz sociológica da sua população, pouco ou nada têm a ver com a portuguesa. Aliás, o país até esteve à beira de uma secessão do Quebeque, rejeitada por uma margem de 1,6% em referendo, o que mostra bem a dificuldade e/ou sua (in)capacidade em formar canadianos.

2. Por último, a experiência de outros países com tradições em políticas multiculturais, como, por exemplo, o Reino Unido, a Holanda ou a Austrália, poderia de facto ajudar-nos. E ajudar-nos especialmente a não cometer os mesmos erros. Efectivamente, em ambos, a partir dos anos 60 e 70 do século XX, foram implementadas políticas multiculturais que, em graus variáveis, fracassaram na integração cultural e na formação de cidadãos oriundos de grupos minoritários e de outras culturas. Nesses países já se percebeu que a utopia multicultural contemporânea - a utopia que sucedeu à velha utopia da sociedade sem classes -, se pode transformar, em pouco tempo, num verdadeiro «drama multicultural» (a expressão é do sociólogo holandês Paul Scheffer). Assim, actualmente estão já numa fase de reversão das suas políticas, como mostra bem Christian Joppke no seu artigo A Retirada do Multiculturalismo do Estado Liberal. E nós, será que vamos continuar a não aprender com as experiências dos outros e a cair nos mesmos erros que estes cometeram há trinta ou quarenta anos atrás?

OBS: Texto baseado no artigo originalmente publicado na revista Atlântico nº 10 (2006): 37-39
JPTF 2008/04/01

1 comentário:

  1. Já não vinha ao acutilante há uns tempos e gostei de voltar.
    Especialmente dos artigos sobre o multiculturalismo.
    Vejo que nos posts agora o português é a regra, o que me facilita a vida.
    Obrigado.

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