março 01, 2008

A Queda de Marx e a Ascensão de Maomé nos Balcãs (Parte II)



A situação aparentemente insólita e paradoxal, de (re)configuração identitária dos albaneses de «marxistas» (e «maiostas») em «maometanos» (muçulmanos) - ainda por cima quando a sua população é significativamente heterogénea do ponto de vista religioso -, sugere a existência uma realidade histórica, política e sociológica bem mais complexa e do que a retratada nas análises típicas da Guerra Fria. Estas pouco ou nada conseguiam ver além do conflito ideológico entre o Ocidente e o Leste. Por sua vez, nos muitos escritos do pós-Guerra Fria sobre os Balcãs, devido às guerras que levaram ao desmembramento da Jugoslávia a partir do Verão de 1991, tenderam a prevalecer olhares parciais e leituras a-históricas sobre os acontecimentos, feitas numa linguagem e numa lógica política europeia e ocidental, alicerçada exclusivamente em conceitos, ideias e ideologias seculares como estado, nação, nacionalismo, multiculturalismo, democracia, direitos humanos, etc. Como já se pode ver pelo caso da Albânia, esta grelha de leitura é demasiado simplista e não permite apreender aspectos fundamentais do puzzle balcânico. Começando pela sua realidade histórico-sociológica, importa notar que nos actuais Estados dos Balcãs (quer nos que resultaram da divisão da Jugoslávia, como, por exemplo, a Federação da Bósnia-Herzegovina, a Macedónia e a Sérvia e o Montenegro, quer nos que são anteriores a essa situação, como a Albânia, a Grécia, a Bulgária e a Roménia), existe um número de muçulmanos, religiosos e/ou sociológicos que, no seu conjunto, atinge um valor significativo, situado algures entre os 8 e os 9 milhões. Aspecto histórico importante é que razão da sua presença na região não tem nada a ver com as grandes migrações que, nos pós-II Guerra Mundial, estão na origem das significativas comunidades de muçulmanos religiosos e/ou sociológicos que hoje existem na Europa Ocidental (num valor que se calcula ser na ordem dos 15 milhões), sobretudo em países como a França, a Alemanha, a Holanda e o Reino Unido. Inversamente deste recente Islão da Europa Ocidental, o Islão dos Balcãs é antigo e está, directa ou indirectamente, ligado à presença do Império Otomano na região, que durou cerca de cinco séculos, e que só se extinguiu com as duas guerras balcânicas de 1912-1913 e com a I Guerra Mundial. Assim, se exceptuarmos a Eslovénia, e parcialmente a Croácia, todos os Estados dos Balcãs, Hungria e Grécia incluídas, são Estados pós-otomanos, no sentido em que, ou resultaram directamente do desmembramento desse império, ou estiverem sob seu domínio por períodos de tempo variáveis e mais ou menos longos.
JPTF 2008/03/01

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