abril 29, 2008

Colóquio: ‘O Futuro da Europa -Tratado de Lisboa, Federalismo e Outras Interrogações‘ 5 de Maio de 2007


O Futuro da Europa - Tratado de Lisboa, Federalismo e Outras Interrogações

Segunda-feira, 5 de Maio, às 21:00 horas, na Livraria Almedina do Arrábida Shopping

Orador:
Rui Henrique Alves, FEP

Comentador:
José Pedro Teixeira Fernandes, ISCET e ISLA

abril 24, 2008

‘Capitalismo Sharia‘ em Harvard


Será que estamos a assistir a uma crescente dissociação entre o capitalismo e a democracia liberal, com efeitos nefastos par o futuro das sociedades ocidentais?
JPTF 2008/04/24

abril 22, 2008

‘Atena Negra. As Origens Afroasiáticas da Civilização Clássica‘, de Martin Bernal


Uma faceta pouco conhecida na Europa, e menos ainda em Portugal, sobre a academia e a sociedade norte-americana, são as chamadas "guerras de cultura". No centro da polémica está, frequentemente, o passado histórico: porque deverá um aluno norte-americano, não branco e de origem não europeia, estudar a história da Europa e da civilização clássica greco-latina? Para além desta controvérsia sobre os curricula escolares, uma outra estalou há cerca de 20 anos atrás, ligada à publicação do livro Atena [ou Atenéia] Negra. As Origens Afroasiáticas da Civilização Clássica (vol. 1, A Fabricação da Grécia Antiga 1785-1985), de autoria de de Martin Bernal, um professor de origem britânica da Universidade Cornell, nos EUA. A tese de Martin Barnal sugere que, afinal, a civilização clássica grega era essencialmente de origem afro-asiática e não se deve ao génio helénico como estamos habituados a estudar nos manuais de história. Numa vulgata distorcedora desta tese, que surgiu depois em certos Estudos Afro-Americanos, os gregos teriam mesmo "roubado" várias descobertas e invenções científicas a povos que podem ser considerados africanos. Como consequência, a civilização ocidental estará em débito no reconhecimento das suas origens africanas (e asiáticas). Hoje, com as primárias do Partido Democrata ao rubro, e com a cáustica troca de acusações entre Hillary Clinton e Barack Obama, o livro poderá voltar sair da prateleira para alimentar o argumentário do debate político.
JPTF 2008/04/22

‘A fábula da transmissão árabe do saber antigo‘ por Jacques Heers




‘O dia mundial da Terra‘ cartoon de Tab no Courrier International

abril 21, 2008

O referendo irlandês ao Tratado de Lisboa e a realpolitik da UE


Na Irlanda - o único país onde, por razões constitucionais, vai ser feito um referendo ao Tratado de Lisboa -, a União Europeia não está a querer deixar o assunto só nas mãos do povo. A democracia europeia tem destas coisas: os assuntos verdadeiramente importantes não são para a população se preocupar e, muito menos, decidir. Segundo relata o jornal britânico Telegraph, na sua edição on-line de 19 de Abril, existirá uma espécie "acordo secreto", entre a Comissão Europeia e o governo irlandês para convencer os eleitores renitentes a votarem "sim". Este baseia-se, entre outras coisas, em evitar deliberadamente as más notícias para o eleitorado, as quais poderiam vir dos desenvolvimentos em curso ligados várias políticas europeias, como, por exemplo, a iniciativa francesa de harmonização da fiscalidade das empresas (esta, na Irlanda, por ser muito baixa, tem desviado investimento de outros Estados-membros). Desta forma, cria-se a ilusão de uma Europa que só tem aspectos positivos, o que é naturalmente propício ao "sim". Recorda-se que o "sim" é o único sentido voto aceitável ao dispor de qualquer bom cidadão nos referendos europeus. Isto, claro, para além da abstenção, que preocupa sempre muito os políticos nacionais e europeus na retórica. Todavia, quando os eleitores afluem às urnas em massa, e até procuram conhecer o conteúdo do Tratado, como nos referendos francês e holandês de 2005 sobre a Constituição Europeia, mas depois votam "não" - eventualmente por já estarem mais esclarecidos sobre o que efectivamente está em jogo -, aí seria melhor que tivessem ficado em casa. Mas o mais curioso da notícia do Telegraph é um "memo" que o Presidente do Comité para os Assuntos Constitucionais do Parlamento Europeu, o alemão Jo Leinen, terá dirigido ao Primeiro-Ministro irlandês. Assunto do "memo": o governo deve "evitar, a todo o custo, a discussão dos aspectos políticos sensíveis do Tratado, até que este esteja em vigor ". Nicolau Maquiavel (e Otto von Bismarck) não teriam dado melhores "conselhos ao príncipe". A grande diferença é que, no passado, o cinismo da realpolitik era assumido mais abertamente pelos decisores políticos.
JPTF 2008/04/21

abril 20, 2008

Fatwa de ulema ‘condena‘ à morte dois autores sauditas, por dizerem que cristãos e judeus não são ‘infiéis‘


Um ulema saudita, Abdul Rahman al-Barrak, emitiu um fatwa (opinião legal) onde, segundo a sua interpretação da Xária (Sharia), os textos de Abdullah bin Bijad e Yusuf Abu al Khayl publicados no Al-Riyadh, violaram a lei islâmica. Na fatwa onde declarava os dois autores takfir, acrescenta ainda que se estes não se retractassem deveriam ser executados por crime de apostasia (abandono) do Islão e sem ‘direito aos rituais de enterro‘. Em causa estão artigos publicados  em Março nesse jornal saudita - que até parece ter gente com uma visão aberta do mundo e algum sentido de humor (ver o cartoon ao lado) -, algo não muito apreciado pelo ulema de 75 anos, defensor da ‘moral e dos bons costumes‘ em terra islâmica. O ulema ficou chocado com o facto de Abdullah bin Bijad e Yusuf Abu al Khayl terem defendido publicamente, em textos publicados nesse jornal, que os seguidores de outras religiões monoteístas (dhimmis), como o Cristianismo o o Judaísmo, não deviam ser qualificados como ‘infiéis‘, como faz tradicionalmente o Islão wahhabita (um rito ultra rigorista do Islão, que tem o estatuto de religião oficial no reino saudita). Para o ulema Abdul Rahman, esta opinião expressa no Al-Riyadh é ‘subversiva‘ da ordem social e religiosa islâmica, pois contraria a Xária (Sharia), incitando os muçulmanos a mudar de fé. Decididamente, não é fácil ser escritor ou jornalista e ter opiniões liberais na Arábia Saudita. Ver notícias do Telegraph e do  El Pais.
JPTF 2008/04/20

abril 19, 2008

Príncipes das Trevas, de Laurent Murawiec


Laurent Murawiec, ex-analista da Rand Corporation e actualmente fellow do Hudson Institute de Washington, esteve no centro de uma tempestade política há alguns anos atrás. A polémica ocorreu quando, em 12 de Julho de 2002, apresentou um briefing para um número restrito de altos funcionários no Pentágono, sob o título provocatório de Taking the Saudi out of Arabia. Nessa apresentação efectuada à porta fechada - que algum tempo depois acabou por chegar ao conhecimento da imprensa, daí a polémica -, fez críticas contundentes à Arábia Saudita. Desde logo, começou por notar no briefing que quinze dos autores do 11/S eram de nacionalidade saudita. Em causa ficou também a própria família real, pois Murawiec chamou à atenção para a existência de apoios financeiros e ideológicos a diversos movimentos e organizações normalmente consideradas ligadas aos circuitos do terrorismo (na Palestina, na Bósnia, na Chechénia, em Caxemira, etc). Na sequência desta controvérsia, Murawiec foi forçado a demitir-se da Rand Corporation, alegadamente por pressões sauditas e dos seus aliados no establishment norte-americano. Em Príncipes das Trevas. O Assalto Saudita ao Ocidente (originalmente publicado em francês sob o título La Guerre d´après, 2003; trad. ing., 2005, Princes of Darkness. The Saudi Assault on the West, Rowman & Littlefield, 305 pp.), retomou essa polémica, analisando, de forma desenvolvida, o papel da Arábia Saudita no mundo pós-guerra fria. Segundo este, a relação estratégica mantido com os EUA e o Ocidente é extremamente problemática. Isto porque os sauditas - em teoria um país aliado -, prosseguem, de forma paralela, todo um conjunto de actividades potencialmente lesivas dos interesses norte-americanos e ocidentais: uso do dinheiro do petróleo para expandirem o wahhabismo - uma versão purista e retrógrada do Islão que radicaliza os muçulmanos; apoio, sobretudo através do circuito do zakat, o ‘ imposto de caridade‘, e das ONG´s islâmicas, a movimentos e grupos islamistas radicais e jihadistas; uso do dinheiro do petróleo para tecer uma rede de influências nos lobbies empresariais e políticos e junto do poder em Washington; uso de substanciais donativos a universidades americanas de prestígio (criando centros de estudos islâmicos e oferecendo generosas bolsas), como Harvard e Georgetown, para difundir a sua ideologia religioso-política a coberto ‘diálogo de religiões‘, expandir as finanças islâmicas e a aceitação dos produtos halal (permitidos), ou seja, conforme a Xária (Sharia) islâmica, etc. Uma ilação resulta claramente desta leitura: se Murawiec tem razão quando aponta o dedo à Arábia Saudita nestas actividades ‘subversivas‘, boa parte da estratégia seguida no pós 11/S tem de ser repensada, pois não está a dirigir-se para algumas das principais dimensões do problema. Ou seja, está a subestimar a dimensão social, política e ideológica do islamismo radical, e a pretender minimizar o papel do que poderíamos chamar, de forma paradoxal, os ‘aliados-inimigos‘ (outro caso mais conhecido mas de algum modo comparável neste paradoxo, é o do Paquistão). Isto torna o problema da ‘guerra ao terror‘ bastante mais complexo e multifacetado do que a administração de George W. Bush quer admitir publicamente, e deixa decisões particularmente difíceis nas mãos do próximo Presidente dos EUA.
JPTF 2008/04/19

abril 18, 2008

Não há almoços grátis: de onde vêm os donativos para os estudos islâmicos nas universidades britânicas?


Uma curiosa polémica levantou-se esta semana no Reino Unido, sobre o financiamento de centros de estudos islâmicos nas universidades. Lá como cá, às universidades competem para obter fundos privados para o seu financiamento, de forma a se tornarem auto-sustentáveis, ou até mesmo rentáveis. Neste contexto, várias universidades britânicas - incluindo as prestigiadas Oxford e Cambridge -, parecem ter descoberto um novo filão de financiamento: os donativos de membros família real saudita e de outras organizações de países árabes e islâmicos. Assim, oito universidades britânicas (Oxford, Cambridge, University College of London, London School of Economics, Exeter, Dundee e City) teriam recebido mais de 233, 5 milhões de libras, nos últimos doze anos, tendo a maioria desse dinheiro sido destinado a centros de estudos islâmicos. Todavia, estes actos de filantropia, aparentemente desinteressados e a promover a melhoria do conhecimento, parecem estar a condicionar a investigação académica e científica na área. É pelo menos isto que denuncia um trabalho de investigação feito pelo professor Anthony Glees. Segundo este, o governo britânico prossegue ‘as políticas de educação erradas, feitas pelas pessoas erradas, e com os financiamentos errados‘. Este aponta até o exemplo da prestigiada Universidade de Oxford onde, nos últimos cinco anos, 70% das palestras efectuadas no St Antony´s College teriam sido ‘implacavelmente hostis ao Ocidente e a Israel‘ (algo que a universidade nega). Ironicamente, desta forma, estará não só a ser pervertido o ideal de investigação académica e científica, como estarão a ser abertas as portas à difusão da ideologia islamista e de versões retrógradas do Islão, dentro de algumas das instituições de ensino mais conceituadas. Face a esta situação, Anthony Glees sustenta que o governo britânico deverá adoptar rapidamente as seguintes medidas: interdição das universidades aceitarem dinheiro saudita e de outras organizações para o financiamento; divulgação de todos os donativos recebidos pelas universidades; e inquérito público sempre que os donativos tenham origem estrangeira. Ver as notícias do Guardian e do Telegraph.
JPTF 2008/04/18

abril 17, 2008

Brasil, nova potência petrolífera mundial?


O director-geral da Agência Nacional do Petróleo do Brasil, Haroldo Lima, anunciou, nesta segunda-feira, durante uma conferência para um público especializado, que um novo campo de petróleo descoberto no Brasil, poderá ser o terceiro maior do mundo. A confirmar-se esta previsão, as suas reservas serão de cerca de 33 biliões de barris. Pronunciando-se sobre o assunto, o director de Exploração e Produção da Petrobras, Guilherme Estrella, foi bastante prudente, afirmando que as primeiras estimativas oficiais da empresa sobre o bloco BM-S-9, conhecido como carioca, só serão conhecidas nos próximos três meses. Ver notícia do jornal Folha de São Paulo e da revista WorldOil.
JPTF 2008/04/17

abril 15, 2008

Ayaan Hirsi Ali: sim à liberdade, não à submissão


1. Ayaan Hirsi Ali (o nome original é Ayaan Hirsi Magan), nasceu em 1969, em Mogadíscio, no seio de uma família muçulmana importante da Somália, pertencente ao clã Osman Mahamud, um sub-clã dos Darod. O seu livro Uma Mulher Rebelde (tradução portuguesa de Ingidel, Editorial Presença, 2007), é um obra autobiográfica e tremendamente humana. Relata uma experiência de vida simultaneamente dramática (pelas circunstâncias que teve de enfrentar) e fascinante (pela sua enorme coragem em superar a adversidade e refutar o papel de submissão que lhe estava destinado, como a tanta outras mulheres muçulmanas). A sua vida de infância e juventude, apesar de ter episódios felizes, foi passada em grande parte no exílio, entre a Arábia Saudita, a Etiópia e o Quénia, devido à oposição do seu pai - um membro proeminente da Frente Somali de Salvação Democrática -, ao regime ditatorial de inspiração soviética de Siad Barré. Ainda enquanto criança na Somália foi sujeita, por iniciativa da avó, à chamada circuncisão feminina, com a retirada do clítoris e dos pequenos lábios (uma prática destinada a garantir a virgindade da mulher até ao casamento). A maior parte da sua juventude decorreu no Quénia, onde frequentou a escola e tirou um curso técnico de secretariado. Aí sentiu a progressiva influência do islamismo radical dos Irmãos Muçulmanos, financiados pelo dinheiro do petróleo dos países árabes ricos do golfo, e os seus efeitos de radicalização do Islão, no Quénia e na Somália. Ela própria tornou-se muito mais rigorista no vestuário e nos hábitos religiosos diários e até tentou, ainda que sem sucesso, exercer proselitismo sobre as suas colegas na escola. Todavia, foi também no Quénia que teve, pela primeira vez, a oportunidade de contactar com culturas não muçulmanas e com a influência ocidental. Acabou, assim, por adquirir uma crescente consciência sobre a desigualdade e injustiça com que uma sociedade tradicional, baseada em valores islâmicos e pré-islâmicos, patriarcais e rigoristas, tratava as mulheres. Lentamente, Ayaan Hirsi, começou também a formar um pensamento crítico sobre a visão do mundo arcaica e hipócrita em que assentava essa ordem social. O facto de o seu pai, à maneira tradicional somali e muçulmana, lhe ter escolhido um marido dentro do clã - um homem que nunca tinha visto e residia no Canadá -, acabou, segundo refere, por ser o impulso decisivo que a levou a ganhar coragem para alterar drasticamente o rumo da sua vida.

2. Em finais de 1992, após ter viajado para a Alemanha, e enquanto aguardava os documentos para se juntar ao seu «marido»no Canadá, Ayaan Hirsi decidiu fugir para a Holanda. Isto foi feito não só com a intenção de não se casar, como de quebrar os laços com o seu passado que lhe coarctavam a sua liberdade como pessoa e ser humano. Os seus primeiros tempos decorreram no centro de acolhimento de Zeewolde, onde, na multidão de refugiados, se encontravam também outros somalis. Decorrido algum tempo acabou por ser localizada pelo seu «marido» e família, e foi submetida ao veredicto de um «Tribunal dos Anciãos», ironicamente nas instalações do próprio campo de refugiados de Zeewolde. Este tribunal improvisado, pretendia resolver a questão com base nos princípios tradicionais da Xária (Sharia) islâmica, pressionando-a a ir ter com o seu «marido» e a preservar a honra da família, que dependia do cumprimento da promessa de oferta da filha em casamento. Ao recusar-se a acatar o veredicto do «Tribunal dos Anciãos», Ayaan Hirsi sabia que corria o risco de ser rejeitada pela sua própria família, que não iria aceitar esta decisão, o que de facto veio a acontecer, como mostra uma troca emotiva de cartas com o seu pai, reproduzida no livro (entre as páginas 160-161). Nos anos subsequentes, teve vários empregos, desde empregada numa fábrica a tradutora de refugiados e emigrantes, acabando por conseguir frequentar o curso de Ciência Política na prestigiada Universidade de Leida. Entretanto, outra tragédia pessoal se abateu sobre a sua vida. A sua irmã Haweya, que também tinha fugido para a Holanda e vivia consigo, nunca se adaptou à sociedade holandesa. Já com uma história pessoal anterior complexa, acabou por ser afectada por uma doença psiquiátrica grave que a levou a regressar a casa da mãe, em Nairobi, no Quénia, sucumbindo à doença em inícios de 1998.

3. O principal momento de viragem de Ayaan Hirsi para um activismo político ocorreu quando, em 2001, o Instituto Wiardi Beckman ligado ao Partido Trabalhista, a contratou como investigadora (entretanto, já tinha obtido a nacionalidade holandesa e concluído o seu curso em Leida). Uma semana depois de ter iniciado o trabalho nessa instituição - a sua actividade consistia na participação em grupos de trabalho e em efectuar pesquisas sobre os problemas de integração das mulheres estrangeiras na sociedade holandesa -, ocorreram os atentados terroristas de 11/S. A conjugação destas duas circunstâncias teve um enorme impacto na vida de Ayaan Hirsi e acabou também por projectá-la como figura pública. A questão do terrorismo islâmico e das suas motivações passou a absorver grande parte do seu pensamento e energias. Poucos meses depois do 11/S, num debate efectuado sob o título O Islão e o Ocidente, quem precisa de um Voltaire? (e quando o público se inclinava sobretudo para concordar com aqueles que criticavam este ou aquele aspecto do mundo ocidental), fez uma intervenção contracorrente afirmando: «Pensem na quantidade de Voltaires que o Ocidente já tem. Não nos negueis o direito de termos, também nós, um Voltaire. Olhem para as nossas mulheres e olhem para os nossos países. Vejam como somos tantos a fugir e a procurar refúgio aqui. E vejam essas pessoas que, na sua loucura, fazem despenhar aviões contra as vossas cidades. Permitam-nos que desejemos a chegada de um Voltaire, porque vivemos verdadeiramente na idade das trevas» (p. 276). Após relatar esta sua primeira intervenção pública, Ayaan Hirsi comenta também no seu livro a ideologia multiculturalista da sociedade holandesa, e a sua visão idílica sobre a integração (que, ironicamente, funcionava até contra a própria vontade de integração de muitos muçulmanos): «Na altura, especialmente nos círculos do Partido Trabalhista, toda a gente tinha uma opinião muito positiva do Islão. Se os muçulmanos exigiam mesquitas, cemitérios separados, matadouros rituais, construíam-lhos. Forneciam-lhes locais para os seus centros culturais, onde o fundamentalismo se poderia desenvolver à vontade [...] Pareciam esquecer-se de quanto tempo tinha sido necessário à Europa para se libertar do obscurantismo e da intolerância, e até que ponto a luta tinha sido encarniçada» (p. 277). Pela sua própria experiência de vida, sabia bem como o idealismo ingénuo das elites holandesas, sobre as virtudes do multiculturalismo, abria a porta a interpretações retrógradas do Islão e à difusão da ideologia dos islamistas: «O governo holandês precisava de parar urgentemente com a fundação das escolas corânicas, pensava eu. As escolas muçulmanas rejeitam os valores dos direitos humanos universais. Numa escola muçulmana as pessoas não são todas iguais, e as liberdades de expressão e de consciência são banidas. Estas escolas não deixam desenvolver a criatividade - a arte, o teatro, a música não são ensinados - e impedem as faculdades críticas que poderiam levar as crianças a questionar as suas crenças» (p. 281).

4. Com este tipo de posições críticas do Islão rigorista e da ideologia islamista, Ayaan Hirsi granjeou rapidamente inimigos. Não só passou a receber ameaças, presumivelmente de islamistas radicais-jihadistas (o que a levou a estar permanentemente sob segurança), como, dentro do seu no seu próprio partido, foi olhada com desconfiança por colocar em causa a ideologia multiculturalista oficial. Isto levou-a a mudar para o Partido Liberal tendo sido eleita deputada ao parlamento holandês nas eleições de 2003. Em 2004, participou num filme de Theo van Gogh (sobrinho-neto do pintor Van Gogh), intitulado Submissão, que pretendia chamar à atenção do público holandês para a frequente situação de opressão em que viviam as mulheres na cultura islâmica. Nessa altura, a Holanda já estava abalada pelo assassinato de Pim Fortuyn às mãos de um militante de extrema esquerda pró-direitos dos animais, que ocorrera dois anos antes. Desta vez, a tragédia abateu-se sobre Theo van Gogh que, em finais de 2004, foi barbaramente assassinado nas ruas de Amesterdão por um muçulmano de nacionalidade holandesa e origem marroquina. (Ironicamente, na altura em que foi assassinado, trabalhava num filme sobre o assassínio de Pim Fortuyn). Este assassinato aumentou as atribulações de Ayaan Hirsi, com esta a ser directamente ameaçada de morte na carta deixada pelo assassino sobre o corpo de Theo van Gogh. Já em 2006, o programa de televisão Zembla com o título Santa Ayaan, divulgou, sensacionalistamente, que esta mentira para obter o asilo e nacionalidade - algo que, segundo Ayaan Hirsi, já era do conhecimento público há vários anos. A Ministra da Integração, Rita Verdonk, apanhada no meio de uma forte política entre o governo e a oposição, decidiu retirar-lhe a nacionalidade por imperativos legais (pouco tempo depois, o governo de Peter Balkenende acabou por voltar atrás na decisão). Esta situação delicada levou-a a demitir-se do parlamento e a viajar até aos EUA, a convite do American Enterprise Institute de Washington, um think tank conservador. Segundo refere no livro, a decisão de aceitar esse convite foi todavia anterior ao problema da nacionalidade (p. 346). Entretanto, terá regressado novamente à Holanda, sob protecção e anonimato, numa situação que faz lembrar a de Salman Rushdie. Depois de se ler este livro, percebe-se quanto se deve à extraordinário acção de Ayaan Hirsi e à sua luta corajosa pelos direitos das mulheres e pela preservação da tradição de liberdade, da Holanda e do Ocidente.

OBS: O texto corresponde, com algumas modificações, à recensão publicada na revista Crítica
JPTF 2008/04/15

abril 14, 2008

Partido comunista-maoista venceu as eleições no Nepal


Quase duas décadas passaram desde a queda do muro de Berlim e do desmoronar generalizado dos regimes comunistas de inspiração soviética (mraxista-leninista). Todavia, nos contrafortes dos Himalaias, a ideologia comunista (maoista) está viva e parece de boa saúde, talvez devido ao ar puro da montanha mais alta do mundo. A região dos Himalaias tem-se mostrado um excelente frigorífico para a ideologia comunista, permitindo-lhe sobreviver aos ventos quentes da globalização capitalista neo-liberal que varreram o mundo. Nas recentes eleições do Nepal, o partido comunista venceu as eleições obtendo 61 dos 108 lugares do parlamento. Desta forma, dentro de poucos meses a Assembleia Constituinte deverá votar a abolição da monarquia e do trono detido pelo actual monarca, Gyanendra Bir Bikram Shah Dev, dando assim lugar ao nascimento de uma nova republica maoista. Ver notícia do Corriere della Sera.
JPTF 2008/04/14

abril 12, 2008

Qual o melhor modelo para um futuro Chipre unificado?


A propósito do relançamento do processo de negociações para a reunificação de Chipre, Andreas Theophanous da Universidade de Nicosia, analisa aquele poderá ser o melhor modelo para garantir o futuro da ilha (simbólica foi a recente re-abertura da passagem em Ledra Street, uma artéria central da dividida Nicosia, tema do livro de prosa poética de Nora Nadjarian). Num artigo publicado no jornal Cyprus Daily, usa, como ponto de partida para esta discussão, dois modelos teóricos de identidade nacional/colectiva: o modelo liberal e modelo etnonacionalista (ver o artigo de Jerry Z. Muller na Foreign Affairs); a estes dois poderíamos acrescentar ainda um terceiro, o modelo multiculturalista. A escolha do modelo de estado e de cidadania é, sem dúvida, um dos pontos mais sensíveis da questão da reunificação cipriota. Tendo em conta as características dos diferentes modelos e a situação sociológico-política no terreno, o melhor modelo para um futuro estado reunificado parece ser o modelo liberal cidadania, ou seja, algo se possa aproximar um pouco do do melting pot que caracteriza tradicionalmente a concepção de cidadania norte-americana. Este coloca o ênfase num sistema de valores comum e inclusivo de todos os cidadãos. Não só rejeita o modelo etnonacionalista que cultiva uma identidade étnico-religiosa não invulgarmente agressiva - e se mostrou explosivo nos conflitos da ex-Jugoslávia -, como também não promove a criação de ‘cidadãos hifenizados‘, como é típico, por exemplo, do modelo multicultural canadiano. O modelo de cidadania liberal abstrai, assim, das diferenças étnicas e religiosas que não são assuntos para a esfera pública, nem para acções governativas, não deixando espaço para políticas separatistas. Neste debate, parece-nos sustentada a posição de Andreas Theophanous, quando afirma que ‘o restabelecimento da economia, sociedade e território em Chipre apenas pode ser promovido através de um modelo integracionista e federal‘. Assim, o modelo etnonacionalista - que foi provavelmente a principal fonte de inspiração dos planos anteriores de reunificação -, acabou por ser também uma parte do problema cipriota. Todavia, o principal problema actual já nem parece ser tanto o modelo etnonacionalista, mas a ideologia multiculturalista em voga no mundo ocidental e nas organizações internacionais, como a ONU e a UE, que têm um papel importante no processo de reunificação. Esta ideologia promove o ‘culto da diversidade‘ e, de alguma maneira também, o surgimento de ‘cidadãos-hifenizados‘ (ver o livro de Neil Bissoondath sobre o Culto do Multiculturalismo no Canada). Frequentemente isto acaba por se transformar num obstáculo à integração de pessoas com diferentes origens étnico-religiosas e linguísticas, bem como à formação e consolidação de um estado unificado e de uma cultura cívica partilhada. No caso de Chipre, ironicamente, assemelha-se ainda ao sistema imperial e teocrático do millet, usado pelos otomanos para governar a ilha até ao século XIX.
JPTF 2008/05/12

abril 10, 2008

Berlusconi: ‘a esquerda não tem gosto, até mesmo nas mulheres‘


Na campanha eleitoral para as eleições parlamentares Silvio Berlusconi está no centro de mais uma polémica, devido às suas características afirmações provocatórias e gaffes políticas. Desta vez terá dito que ‘a esquerda não tem gosto, até mesmo nas mulheres, pois quando olhava à volta no Parlamento, reparava que as deputadas de direita eram as ‘mais bonitas‘. Em perspectiva fica um final de campanha mais fashion e com ‘troca de mimos‘ entre os candidatos a Primeiro-Ministro. Já quanto ao governo, resta saber se a Itália não irá de mal a pior... Ver notícia da BBC.
JPTF 2008/04/10

abril 09, 2008

Uma Ilusão de Harmonia: Ciência e Religião no lsão de Taner Edis


Em Uma Ilusão de Harmonia: Ciência e Religião no lslão (Pometheus Books, 2007), Taner Edis - um físico de origem turca da Universidade Truman nos EUA -, contesta a convicção, bastante generalizada entre os muçulmanos, de que o Islão seria uma religião intrinsecamente favorável à ciência e à investigação científica. Como este refere ao longo do livro, esta convicção está na origem de argumentos tradicionalmente usados nas comparações mantidas com outras religiões, nomeadamente com a tradição judaico-cristã do Ocidente. No Islão sunita as tradições Suna/ahadith atribuem ao Profeta Maomé o dito ‘procurem o conhecimento até na China‘ se necessário. Isto mostraria as vantagens do Islão e a sua particular harmonia entre ciência e religião. O Islão não necessitaria de seguir a via da secularização (ver a fatwa do Xeique Yusuf al-Qaradawi sobre o secularismo no Islão) para progredir na ciência e no conhecimento científico. Esse foi um caminho que o Ocidente teve de efectuar devido às imperfeições do Cristianismo. Baseados nesta convicção, normalmente muçulmanos têm tentado tirar vantagem dos modernos conhecimentos científicos e tecnológicos islamizando-os. Com esta atitude face à modernidade, esperam poder beneficiar deles sem terem necessidade de desenvolver uma nova teologia e ter de adaptar as suas convicções religiosas às necessidades do mundo moderno. Todavia, de acordo com Taner Edis, esta forma de pensar alimenta uma ilusão de harmonia, que acaba por contribuir para o atraso generalizado da ciência e da investigação científica no mundo muçulmano.
JPTF 9/04/2008

abril 08, 2008

Criacionismo islâmico ataca na Escócia


O Atlas da Criação de Harun Yahya (pseudónimo de Adnan Oktar , que divulga as suas publicações a partir de Istambul na Turquia), foi agora também enviado gratuitamente para as escolas da Escócia. No decurso do ano passado o mesmo livro já tinha sido enviado, igualmente de forma gratuita, para as escolas de França e de vários outros países europeus. Na Turquia, para além do livro de Harun Yahya, algumas editoras islamistas tinham também alterado clássicos da literatura, para os compatibilizarem com a mensagem do Islão... (ver notícia do Turkish Daily News). No caso do Atlas da Criação, o livro sugere aos leitores que o Darwinismo é a verdadeira raiz do terrorismo. Uma das principais interrogações que levanta esta campanha de divulgação do criacionismo islâmico nos países europeus e nos EUA (no ano passado foram distribuídos junto das escolas norte-americanas vários milhares de exemplares) é a origem do financiamento de uma acção desta envergadura. Ver o artigo sobre este assunto na Reuters.
JPTF 2008/04/08

abril 07, 2008

Macedónia ou Antiga República Jugoslava da Macedónia? As razões geopolíticas do conflito


Quando a República Socialista da Macedónia abandonou a Jugoslávia federal em 1991, a generalidade dos europeus e ocidentais ficou surpreendida pela tenacidade da oposição da Grécia ao reconhecimento do novo Estado como «República da Macedónia». Aquilo que visto sob o olhar ocidental deveria ser uma querela menor, de contornos quase académicos, na Grécia atingiu proporções enormes, ao ponto de ter dado origem às maiores manifestações de massas, após a reintrodução da democracia em 1974. Mas porquê este «histerismo nacionalista» dos gregos em torno de um nome? As razões, mais uma vez, são profundas e algo estranhas para quem esta fora do espaço geopolítico dos Balcãs. Vale a pena lembrar que os desentendimentos na partilha da Macedónia, conquistada por sérvios, gregos e búlgaros aos otomanos na primeira guerra balcânica (1912-1913), foram o principal motivo da segunda guerra balcânica (1913), desencadeada alguns meses depois do fim da primeira, e onde a Bulgária se viu isolada e derrotada nas suas ambições sobre a Macedónia (todavia, os atritos estiveram longe de se restringir a gregos e a búlgaros, existindo outras pretensões, como a dos eslavos ortodoxos da região, de criarem já na altura uma Macedónia independente). Por outro lado, importa ter em conta que, em regiões como os Balcãs, a história não é um mero conhecimento relegada para o foro da academia, como é normalmente o caso da Europa Ocidental, mas também uma poderosa arma política que sustenta discursos de teor nacionalista e ambições irredentistas. Assim sendo, a utilização da palavra «Macedónia» foi vista, com ou sem razão, não só como uma tentativa de usurpação de um legado cultural helénico, como, pior do que isso, um primeiro passo para prováveis reivindicações territoriais sobre a Macedónia grega. O facto do novo Estado independente ter adoptado como símbolo nacional, na sua bandeira, o chamado «sol de Vergina», ainda agravou mais esta percepção da parte da Grécia. Este tem um poder simbólico grande: trata-se de um desenho encontrado em 1977 naquele que se julga ser o túmulo de Filipe II da Macedónia – o pai do mítico Alexandre Magno – na cidade de Vergina, na Macedónia grega. Sobre a perspectiva do governo do novo Estado sobre este litígio - que levou recentemente ao bloqueio da sua adesão à NATO pela Grécia, na cimeira de Bucareste -, ver o texto da autoria da embaixada macedónia em Ancara, A Macedónia não tem nenhum ‘problema de nome‘ publicado pelo Turkish Daily News. Ver também, no mesmo jornal, o artigo de Ariana Ferentinou, Manter a Macedónia fora da NATO. (A Turquia, o Estado que sucedeu ao Império Otomano em 1923, reconhece este Estado saído da ex-Jugoslávia em 1992, sob o nome oficial de República da Macedónia).
JPTF 2008/04/07

abril 06, 2008

‘Irmão Tariq: O duplo discurso de Tariq Ramadan‘, segundo Caroline Fourest


Interessante análise e esforço de desmontagem de um discurso de ‘geometria variável‘ que, segundo Caroline Fourest, se metamorfoseia consoante os públicos e as conveniências tácticas de ocasião. Em causa está Tariq Ramadan, neto de Hassan-al-Banna, o fundador dos Irmãos Muçulmanos no Egipto, provavelmente o ‘islamista-multiculturalista‘ mais inteligente e sofisticado que hoje actua no Ocidente. (Ver ainda o trabalho de Martin Bright, jornalista do New Statesman, sob o título When Progressives Treat With Reactionaries, onde este denuncia a confusão que reina dentro do governo britânico, não conseguindo distinguir entre os muçulmanos liberais e os islamistas...). Quanto ao livro da feminista francesa, Caroline Fourest, surgiu agora em inglês pela Encounter Books dos EUA e promete continuar a polémica em torno de Tariq Ramadan. A ler por todos aqueles que, ou por conhecimento superficial do assunto, ou por uma abertura naïf ao ‘outro‘, julgam que o Islão encontrou o seu Martin Luther King.
JPTF 2008/04/6

abril 04, 2008

A NATO alarga-se aos Balcãs

A Albânia e a Croácia receberam ontem, durante a cimeira de Bucareste da NATO, um convite formal para aderirem a esta organização de segurança militar, fundada a 4 de Abril de 1949, em plena Guerra-Fria. Todavia, outros estados com a Macedónia, a Geórgia e a Ucrânia viram as suas expectativas de adesão frustradas. No caso da Macedónia, o entrave resultou do conflito que persiste com a Grécia sobre o nome oficial do Estado, que esta apenas reconhece como ex-República Jugoslava da Macedónia, por ter uma província com o mesmo nome. No cerne da questão está ainda partilha territorial da antiga Macedónia otomana, efectuada nas guerras balcânicas de 1912-1913, e a herança cultural e identitária da Antiguidade Clássica de que Alexandre o Grande é um símbolo bem conhecido (ver também notícia da revista Der Spiegel). Nos casos da Geórgia, situada no Cáucaso e da Ucrânia, no Leste europeu, na actual fronteira com a Rússia (ambas ex-repúblicas da extinta União Soviética), os convites de adesão não se concretizaram. Aqui a razão de fundo foram divergências de entendimento entre os membros da NATO: se esta adesão tinha o apoio claro dos novos membros da Europa Central e de Leste - e está em sintonia com a actual visão dos EUA sobre a segurança na região -, contrastou também com a atitude de travagem do alargamento feita por alguns dos antigos membros da Europa ocidental, sobretudo da Alemanha e da França (ver notícia do jornal La Libre Belgique e da revista Der Spiegel). Por sua vez, este último país anunciou ainda a sua intenção de reingressar na estrutura militar da organização em 2009, que abandonou em 1966, na altura do general De Gaulle, e que levou à transferência da sede da NATO de Paris para Bruxelas, onde se situa actualmente (ver editorial do jornal Le Monde).
JPTF 2008/04/04

O drama do estado secular na Turquia


A acção interposta pelo magistrado Abdurrahman Yalçinkaya contra o partido do poder na Turquia - o AKP de Recep Tayyip Erdoğan (Primeiro-Ministro) e Abdullah Gül (Presidente da República) -, por actividades contra a Constituição e os alicerces seculares do Estado foi, no passado dia 31 de Março, aceite por unanimidade pelos juízes do Tribunal Constitucional (ver artigos do jornal Libération e da revista Economist). Desta forma, o colectivo de juízes considerou-se competente para analisar o pedido subjacente à acção, que poderá desembocar numa ilegalização do AKP. Para os padrões políticos e democráticos europeus, a situação é bastante insólita pois o AKP ganhou as eleições de Julho do ano passado com uma expressiva vitória 46, 6% dos sufrágios. Todavia, esta acção também pode ser vista como sinal da crescente angústia e impotência política do centro-esquerda, que se sente a assistir a uma hábil desconstrução do Estado secularista pelo AKP, e está a tentar evitá-la através de um "golpe de estado" judicial. Na raiz mais profunda do problema encontra-se a própria maneira como a República da Turquia se constituiu em 1923. O abandono da legitimidade islâmica que caracterizava o Estado teocrático otomano não foi a expressão de uma vontade popular esmagadora, mas o projecto de uma elite modernizadora e secularista liderada por Mustafa Kemal (Atatürk). Este foi posto em prática segundo um esquema inevitavelmente autoritário, que enfrentou várias revoltas internas nos anos 20 e 30 em nome do Islão. O actual drama do estado secular na Turquia é que, 85 anos depois da sua criação, a cultura kemalista secularista apenas se enraizou consistentemente nas principais instituições ligadas ao estado: o exército, o aparelho judicial, a administração pública e as escolas públicas. Nas massas e no que hoje se tendem a chamar as organizações da sociedade civil, a cultura secularista e modernizadora de Atatürk e dos seus seguidores entrou apenas de forma superficial. Pior do que isso, hoje está numa fase de reversão em favor de valores islâmicos. Esse é o grande trunfo dos conservadores-islamistas do AKP que, tudo indica pelos últimos resultados eleitorais, começam a dispor consistentemente de uma maioria sociológica no eleitorado turco. Isto permite-lhes falar, cada vez mais, em nome da "democracia" e da "vontade popular" para porem em prática a sua agenda. Neste hábil jogo político, a ironia é que processo de negociações de adesão à UE permite um contrapeso face aos inimigos políticos internos (ver notícia do jornal pró-AKP Zaman e a crítica à interferência da UE feita por Noyan Özkan, no Turkish Daily News) - a elite secularista e "autoritária" enraizada no exército, nas universidades públicas e nos tribunais. Assim, paradoxalmente, o processo de adesão à UE (um sonho tradicional do centro-esquerda kemalista e secularista), está a aumentar a angústia existencial dos defensores do legado de Atatürk.
JPTF 2008/04/03

abril 02, 2008

Vencer o Medo, de Magdi Allam


Magdi Allam, actual vice-director do Corriere della Sera - o mais prestigiado jornal italiano -, tornou-se recentemente objecto de atenção internacional, após ter sido baptizado pelo Papa Bento XVI na vigília de Páscoa de 2008. Tratou-se, sem dúvida, de um acto com simbolismo espiritual e religioso, mas também político. Magdi Allam nasceu no Egipto, numa família muçulmana, e o baptismo significou um abandono público do Islão e a sua conversão ao Cristianismo. Note-se que esta conversão é bastante problemática do ponto de vista tradicional da Xária (Sharia), pois a apostasia, ou seja a renúncia ou abandono do Islão, é considerada susceptível de pena de morte para o adulto masculino são. Desde os acontecimentos de 11 de Setembro de 2001 que Magdi Allam tem sido um dos personagens da vida pública italiana que mais veementemente tem denunciado o islamismo radical. Isto valeu-lhe várias críticas e inimizadas, dentro e fora de organismos do Islão italiano (sobretudo com membros do UCOII como o seu secretário, Hamza Roberto Piccardo, um ex-militante do grupo de extrema-esquerda Autonomia Operaria, entretanto convertido ao Islão). Face a diversas ameaças recebidas desde 2003, encontra-se actualmente a viver sob protecção policial. Autor de vários livros, Magdi Allam publicou em 2005 Vencer o Medo. A Minha Vida Contra o Terrorismo Islâmico e a Inconsciência do Ocidente. Trata-se de um escrito essencialmente biográfico, onde relata a sua vida desde o seu nascimento e juventude no Egipto de Nasser, até à sua ida para Itália nos anos 70, país de que é cidadão e ao qual se sente profundamente ligado e reconhecido. Neste livro começa por descrever o ambiente laico e de um Islão tolerante, que conheceu no Egipto dos anos 60 (o qual, entretanto, desapareceu progressivamente, com a ascensão Anwar el-Sadat ao poder e a crescente influência de grupos islamistas radicais como os Irmãos Muçulmanos), o radicalismo que acabou por conhecer em Itália e o desafio e perigos que o islamismo radical e jihadismo trouxeram, não só para os muçulmanos tolerantes e modernizadores, como para as próprias sociedades ocidentais. O livro termina com duas cartas abertas: uma dirigida à conhecida jornalista italiana Oriana Fallaci (autora dos polémicos livros A Raiva e o Orgulho e a Força da Razão, entretanto falecida) e outra a Tariq Ramadan (neto de Hassan al-Banna, o fundador dos Irmãos Muçulmanos no Egipto), um dos mais hábeis islamistas que actuam no Ocidente procurando tirar partido da ‘janela de oportunidade‘ conferida pela ideologia e políticas do multiculturalismo.
JPTF 2/04/2008