outubro 22, 2011

"Se resultar deem o Nobel ao Gaspar" por Nicolau Santos

Até 2013, a generalidade dos trabalhadores portugueses por conta de outrem vai perder entre 40% a 50% do seu rendimento e todos os seus ativos (casas, poupanças, etc.) vão sofrer uma desvalorização da mesma ordem de grandeza. Pergunto: alguém pensa que isto se fará de forma pacífica? Alguém pensa que o bom povo português aceitará mansamente este roubo? Alguém pensa que assistiremos bovinamente a este assalto? Repito: entre 2011 e 2013, o Governo toma medidas que lhe permitirão confiscar metade do que ganhamos hoje. É deste brutal esbulho que falamos e que está ao nível de decisões idênticas tomadas por governos da América Latina nos anos 80. É isto que está por trás da proposta de lei do Orçamento do Estado para 2012 e das decisões que o Governo já tomou em 2011. É sobre os escombros resultantes desta violentíssima e muito rápida pauperização (...) que o ministro das Finanças Vitor Gaspar espera que Portugal triunfe "como economia aberta e competitiva na Europa e no mundo" no final do programa de ajustamento. Faz sentido?

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outubro 08, 2011

Como a União Europeia se tornou refém do seu próprio modelo de integração

1. A actual crise financeira e económica iniciou-se em 2007/2008 no sector financeiro e imobiliário dos EUA, em mercados a funcionar de forma livre e competitiva e (teoricamente) eficiente. Resulta inquestionável, para qualquer observador imparcial, que o falhanço foi dos próprios mercados. Todavia, paradoxalmente, o que teve origem num falhanço dos mercados e numa competição/competitividade destrutiva (notoriamente não ética) nos sectores imobiliário e financeiro, foi transformado, rapidamente, um pouco por toda a Europa, num problema de excesso de Estado e de falta de competitividade. Por outras palavras, uma crise que, na sua origem, teve os excessos destrutivos do capitalismo, está a ser aproveitada pelos defensores da ideologia (neo)liberal para reverter a questão a seu favor. Afinal, o que houve, dizem-nos, foi... falta de mercado e de capitalismo competitivo!? Como foi possível convencer uma parte significativa, se não mesmo maioritária, da opinião pública europeia e portuguesa desta “inverdade” e de que a via para a saída da crise é (ainda) mais capitalismo (competitividade, privatizações, flexibilização da mão-de-obra etc.)?

2. No cerne do problema está o modelo de integração das Comunidades/União Europeia e a maneira como a Europa unificada foi construída. Face à impossibilidade de instituir, à partida, uma unificação política de tipo federal, foi usando a integração económica de forma instrumental para atingir esse objectivo,: primeiro união a aduaneira (1968), depois o mercado único (1993), mais recentemente a união  económica e monetária (2002). Essa integração baseou-se num modelo económico de tipo (neo)liberal – inequívoco nos avanços da integração a partir dos anos 80, com o mercado único e a moeda única. As implicações deste modelo de integração foram que a União Europeia o inscreveu nas suas instituições e políticas, ficando refém dos seus dogmas: desregulação dos mercados nacionais, total liberalização dos movimentos de capitais, privatizações, flexibilização do mercado de trabalho, moeda única, etc. Consequência: a integração europeia converteu-se no melhor seguro de vida que o capitalismo (neo)liberal alguma vez poderia imaginar em alturas de crise. Ao atacarem-se os seus dogmas, procurando outras formas de actuação governativa, é inevitável por em causa a União Europeia. Ora, por em causa a União Europeia é uma heresia para a maioria das elites políticas económicas que nos governam (não de forma desinteressada, sublinhe-se, pois tiram grandes vantagens deste modelo). Outra consequência: a simbiose efectuada nas últimas décadas entre “mais Europa” e “mais capitalismo (neo)liberal” globalizado, usado como cimento usado para a integração europeia, deixou a União e os Estados-Membros reféns deste modelo, que, tudo indica, está esgotado na sua capacidade de produzir bem-estar. A única possibilidade é a “fuga para frente”. Os que (ainda) acreditam nas virtudes de um capitalismo globalizado exacerbado e da ideologia da competição/competitividade perceberam bem isso. Habilmente repetem até à exaustão que Portugal deve ser um “bom aluno” e executar (acriticamente) o acordo com a chamada troika (BCE, Comissão e FMI). De facto, estão a ter uma oportunidade única de impor as suas ideias sem oposição de relevo.

3. Tudo isto seria apenas um caso curioso, se não se estive a tornar também trágico. Construir a Europa usando quase só a economia de mercado como cimento – e especialmente a moeda única para tornar inevitável uma união política –, está a mostrar-se um erro de enormes proporções. Esvaziou, em alturas de crise como a que vivemos, os Estados nacionais dos instrumentos monetários e cambiais clássicos. Não diminui a heterogeneidade entre a Europa do Norte a do Sul. Tornou as eleições democráticas praticamente inúteis do ponto de vista das grandes escolhas governativas, pois o caminho já está traçado. Infelizmente ainda pode acontecer pior. Ao previsível afundamento Grécia outros seguirão e Portugal está na primeira linha das vítimas do turbilhão que se aproxima cada vez mais.

Texto publicado originalmente no Blogue da Universidade Sénior da Foz