janeiro 30, 2007

Livro “Tariq Ramadan devoilé”, de Lionel Favrot, Edições Lyon Mag, Hors série, 2004



Tariq Ramadan é um personagem praticamente desconhecido do público português, mas não é esse o caso de vários países da Europa Ocidental e da América do Norte, onde é já quase uma celebridade. Na Suíça, onde nasceu, a família Ramadan, que habita a cidade de Genebra é bem conhecida e o seu irmão Hani dirige o Centro Islâmico dessa cidade helvética, conhecida pela sua tradição de liberdade. Em França, a notoriedade junto do grande público deve-se, sobretudo, ao debate televisivo de 2003, com Nicolas Sarkozy, na altura da questão do véu (foulard). No Reino Unido, onde actualmente é professor convidado do St. Anthonhy´s College da Universidade de Oxford, integra também, desde Agosto de 2005, a convite de Tony Blair, uma task force para analisar as raízes do extremismo, constituída após os atentados de 7/7 de 2005. A revista norte-americana Time considerou-o um dos líderes espirituais e um dos pensadores inovadores do século XXI, que “liga os seus valores islâmicos com a cultura ocidental”. Com todo este historial e credenciais, a primeira reacção ao olharmos para o título de livro de Lionel Favrot ( “Tariq Ramadan desmascarado”) é de alguma incredulidade e de o avaliar como mais um livro sensacionalista que pretende denegrir um intelectual respeitado, explorando as fobias ocidentais do pós 11 de Setembro de 2001, face ao Islão e aos muçulmanos. Embora esse tipo de literatura de facto abunde, aproveitando, não invulgarmente, para extravasar sentimentos racistas e xenófobos, não é esse o caso desta publicação. O livro coloca muitas questões e lança dúvidas bastante sérias sobre este “líder espiritual e pensador inovador do século XXI”. Mas antes de falarmos do teor do livro, uma nota sobre o seu autor e o editor. O Lyon Mag é um revista independente, fundada em 1995, maioritariamente detida pelos próprios jornalistas, como é o caso de Lionel Favrot. Desde os primeiros tempos que a revista investiu no jornalismo de investigação, tendo feito algumas investigações de vulto, nomeadamente sobre as acções dos movimentos islamistas junto dos muçulmanos dos bairros periféricos das grandes cidades francesas. É ao Lyon Mag que se deve a entrevista a Abdelkader Bouziane, o iman de Vénissieux, que acabou por ser expulso de França em 2004, pelas suas actividades de radicalização dos jovens muçulmanos e de apelo à violência contra as mulheres. Um outro aspecto que merece atenção, é o teor do prefácio de Soheib Bencheikh, que é um dos mais eruditos teólogos muçulmanos europeus. Foi grande mufti de Marselha e actualmente é membro do Conselho Francês do Culto Muçulmano, tendo formação teológica na Universidade de Al-Azhar do Cairo. É sobretudo um muçulmano que promove um Islão aberto, tolerante e adaptado as sociedades europeias (ver a recensão ao livro Marianne et le Prophète, efectuada neste site). Tal como Soheib Bencheikh faz notar (p. 13), “não é o Islão que está em causa quando se fala de Tariq Ramadan, mas o ‘islamismo‘, quer dizer, esta ideologia político-religiosa que toma como refém a fé dos muçulmanos”. E acrescenta este de seguida: “O que eu posso afirmar pessoalmente, sem hesitar, é que Tariq Ramadan não é, em caso algum, um moderado. Basta assistir a essas reuniões onde ele coloca as mulheres cobertas pelo véu, de um lado, e os homens barbudos, do outro lado, para ver a que sociedade ele aspira. O seu objectivo é isolar os jovens muçulmanos do resto da sociedade ocidental. Aliás, este extrai os seus discursos da literatura politizada dos Irmãos Muçulmanos”. Para o público menos familiarizado com este assunto, importa notar que os Irmãos Muçulmanos (ou Irmandade Muçulmana), são a primeira organização islamista do século XX, fundada no Egipto, em 1928, por Hassan al-Banna, avô de Tariq Ramadan. Actualmente são uma poderosa organização internacional, com vários rostos, presente um pouco por todo o mundo muçulmano e na Europa e América do Norte, onde, através de grupos e organismos nacionais que lhe são próximos, procura difundir a sua ideologia e colocar-se como representante da “comunidade muçulmana”. A estratégia parece ser a de abafar a voz de outras correntes do Islão, sobretudo dos muçulmanos liberais e secularistas, que naturalmente se lhe opõem, e dominar as actividades religiosas e educativas através de “escolas confessionais”, actividades sociais e de culto, etc., aparentemente inócuas do ponto de vista político. Observação importante: todos os grandes pensadores e organizadores do islamismo enquanto ideologia, desde Hassan al-Banna a Sayyid Qutb, passando por Sayyid Mawdudi, apostaram sempre nas actividades sociais e educativas como melhor forma de difundir a sua ideologia e colher resultados mais à frente. Para esta estratégia, aos jihadistas da Al-Qaeda deram-lhes indirectamente uma boa ajuda, permitindo-lhes apresentar-se, junto de governos europeus desorientados e à procura de interlocutores, como o rosto de um “Islão moderado”, que condena o terrorismo. Este é um trabalho estratégico notável dos Irmãos Muçulmanos que, pacientemente, tem sido desenvolvido ao longo de várias décadas, e com apreciável sucesso. Nos últimos tempos, o seu campo de acção é também a Europa (ver a notícia do jornal Guardian de 29/01/2007, sobre o crescente apoio das gerações de jovens muçulmanos à Xária islâmica e ao uso de véu). Apesar de sempre ter negado qualquer vínculo com a organização dos Irmãos Muçulmanos e com a sua ideologia, tudo indica que Tariq Ramadan converge, à sua maneira, com esta linha de actuação estratégica. Na origem da sua transferência para o Reino Unido está, provavelmente, o facto de ter percebido a “janela de oportunidade” que a ideologia e política multiculturalista britânica representa. Esta é muito mais interessante do que a laïcité francesa, que funciona como barreira aos seus propósitos de islamização do social e do político (isto, para não falarmos na maior visibilidade que dá o Reino Unido e a língua inglesa, como veículo privilegiado de comunicação). Neste aspecto, a estadia durante o ano de 1998, na Fundação Islâmica de Leicester, próxima do Jamaat-i-Islami paquistanês de Sayyid Mawdudi, deve ter funcionado como uma espécie de “revelação” premonitória. Uma obra importante de jornalismo de investigação que valia a pena traduzir para língua portuguesa. Quanto aos mais mais incrédulos, podem começar por ouvir extractos sobre as predicações de Tariq Ramadan no site do Lyon Mag em http://www.lyonmag.com/spip.php?article9722
JPTF 30/01/2007

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