abril 21, 2008

O referendo irlandês ao Tratado de Lisboa e a realpolitik da UE


Na Irlanda - o único país onde, por razões constitucionais, vai ser feito um referendo ao Tratado de Lisboa -, a União Europeia não está a querer deixar o assunto só nas mãos do povo. A democracia europeia tem destas coisas: os assuntos verdadeiramente importantes não são para a população se preocupar e, muito menos, decidir. Segundo relata o jornal britânico Telegraph, na sua edição on-line de 19 de Abril, existirá uma espécie "acordo secreto", entre a Comissão Europeia e o governo irlandês para convencer os eleitores renitentes a votarem "sim". Este baseia-se, entre outras coisas, em evitar deliberadamente as más notícias para o eleitorado, as quais poderiam vir dos desenvolvimentos em curso ligados várias políticas europeias, como, por exemplo, a iniciativa francesa de harmonização da fiscalidade das empresas (esta, na Irlanda, por ser muito baixa, tem desviado investimento de outros Estados-membros). Desta forma, cria-se a ilusão de uma Europa que só tem aspectos positivos, o que é naturalmente propício ao "sim". Recorda-se que o "sim" é o único sentido voto aceitável ao dispor de qualquer bom cidadão nos referendos europeus. Isto, claro, para além da abstenção, que preocupa sempre muito os políticos nacionais e europeus na retórica. Todavia, quando os eleitores afluem às urnas em massa, e até procuram conhecer o conteúdo do Tratado, como nos referendos francês e holandês de 2005 sobre a Constituição Europeia, mas depois votam "não" - eventualmente por já estarem mais esclarecidos sobre o que efectivamente está em jogo -, aí seria melhor que tivessem ficado em casa. Mas o mais curioso da notícia do Telegraph é um "memo" que o Presidente do Comité para os Assuntos Constitucionais do Parlamento Europeu, o alemão Jo Leinen, terá dirigido ao Primeiro-Ministro irlandês. Assunto do "memo": o governo deve "evitar, a todo o custo, a discussão dos aspectos políticos sensíveis do Tratado, até que este esteja em vigor ". Nicolau Maquiavel (e Otto von Bismarck) não teriam dado melhores "conselhos ao príncipe". A grande diferença é que, no passado, o cinismo da realpolitik era assumido mais abertamente pelos decisores políticos.
JPTF 2008/04/21

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