fevereiro 29, 2008

A Queda de Marx e a Ascensão de Maomé nos Balcãs (Parte I)




Talvez nada exemplifique melhor as surpreendentes e bastante paradoxais mudanças ocorridas nos Balcãs, após o final da Guerra Fria, do que o caso da Albânia e dos albaneses. Em 1967, Enver Hosha, o líder comunista do país, por nascimento um muçulmano, foi, enquanto governante, simpatizante da União Soviética de Estaline, e, mais tarde, a partir dos anos 60 do século XX, da China de Mao Tsé-Tung. A sua liderança colocou o país na vanguarda do socialismo-comunista ao proclamar oficialmente a Albânia como o primeiro Estado ateu do mundo, provavelmente entusiasmado com os avanços da revolução cultural chinesa na época. Para os adeptos da ideologia socialista-comunista em todo o mundo este foi um passo particularmente aplaudido, que colocou a Albânia como farol do processo de erradicação do «ópio do povo» (a religião), no famoso dito novecentista de Karl Marx. Um quarto de século mais tarde, em finais de 1992, Sali Berisha, o médico que foi o primeiro Presidente eleito livremente do país, e que actualmente é Primeiro-Ministro, também originário de uma família muçulmana, assinava, na sede da Organização da Conferência Islâmica (OCI), em Jeddah, na Arábia Saudita, o documento de adesão da Albânia a essa organização, tornando-se, desta forma, o primeiro Estado europeu a pertencer a este «clube muçulmano» (isto, se exceptuarmos a euro-asiática Turquia que é membro fundador desta organização desde 1969 e tem em Ekmeleddin Ihsanoglu o seu actual Secretário-Geral).

Desta forma, e num período de tempo que, de um ponto de vista histórico, até pode ser considerado bastante curto, a Albânia trocou Marx (e Mao) por Maomé, e substituiu os seus «antigos» ideais do socialismo revolucionário, da sociedade sem classes e da fraternidade operária, pelos «novos» ideais da solidariedade islâmica, da luta dos povos muçulmanos para a salvaguarda da sua identidade, e do desenvolvimento de acções coordenadas para salvaguarda dos Lugares Santos do Islão, contidos no texto fundador da OCI. Desta forma, passou a (re)inserir-se no Islão mundial e na umma, a comunidade universal dos crentes muçulmanos. Todavia, convém recordar que Albânia não é um país «maioritariamente muçulmano» como a Turquia, a qual «só» tem 99,8% de população muçulmana (a diversidade religiosa turca ocorre dentro do Islão, existindo, a par da maioria sunita de rito hanefi/hanefita, vários grupos heterodoxos importantes como os alevis-kizilbaxes, os bectaxis, etc.). Na Albânia, para além da diversidade dentro do Islão, existem de facto substanciais populações religiosa e/ou sociologicamente cristãs (católicos e ortodoxos) que representarão cerca de 30% da população total (não existem dados estatísticos oficiais recentes sobre a sua composição religiosa, ao que tudo indica devido à sensibilidade política do assunto). A albanesa mais célebre do século XX – Madre Teresa de Calcutá –, uma personalidade da Igreja Católica e do mundo ocidental, evidencia bem o que acabámos de afirmar: nasceu em 1910 como súbdita do Império Otomano, numa família etnicamente e linguisticamente albanesa, numa localidade próximo de Skopje, na altura a capital do vilayet (província) otomana do Kosovo e que hoje é capital da Macedónia, a ex-República Jugoslava da Macedónia.
JPTF 2008/02/29

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