fevereiro 19, 2008

A "declaração de dependência" do Kosovo e a bizarra política euro-atlântica nos Balcãs



Um novo estado - o Kosovo - emergiu no dia 17 de Fevereiro, pelo menos para aqueles países que o reconheceram, como é o caso da maioria dos membros da UE, dos EUA, e, sobretudo, da generalidade dos países da Organização da Conferência Islâmica (OCI) - a excepção, claro, são sobretudo os que se confrontam com reivindicações separatistas sobre o seu próprio território, como, por exemplo, a Indonésia. Mas se a situação do Kosovo era problemática antes de 17 de Fevereiro, tudo indica que o vai continuar ser, pela oposição da Rússia (separatismo da Chechénia e aliança tradicional com a Sérvia), da China (separatismo de Taiwan, do Tibete, etc.), da Índia (separatismo de Caxemira), de vários membros da UE e de um número importante de outros países no resto do mundo. Pelo que foi possível ver até agora, a independência do Kosovo está a criar uma (desnecessária) fonte adicional de tensões, num ambiente internacional já bastante tenso e complexo. O seu exemplo arrisca-se a alimentar reivindicações independentistas, na Europa e fora dela, que podem por em causa a já frágil ordem e estabilidade internacional. Mas o mais paradoxal em tudo isto é a bizarra política euro-atlântica de promover a criação de um novo estado onde a população é, em termos religiosos ou sociológicos, maioritariamente muçulmana, que fica a ser o segundo estado muçulmano na Europa, a seguir à Albânia (ver o artigo de Llewellyn King "Kosovo: Now a Muslim Country in Europe"). As palavras do Secretário-Geral da Organização da Conferência Islâmica (OCI) mostram também, sem grande surpresa, a maneira diferente como é vista, numa perspectiva islâmica, a independência do Kosovo: "um activo para o mundo muçulmano" e um motivo de regozijo para a umma islâmica. Não sei se os europeus e norte-americanos pensaram nisto a médio ou longo prazo - infelizmente, parece que perderam esse hábito -, mas uma coisa parece óbvia: ou assumem a difícil tarefa de construção de um estado e de um protectorado ab eterno do Kosovo (com o necessário envolvimento político, militar e de ajuda económica e social - neste sentido a declaração de independência foi mais uma "declaração de dependência" da UE e dos EUA), ou então, mais tarde ou mais cedo, este será uma porta aberta para a projecção da influência árabe e islâmica no sudeste europeu. Pior do que isso, se o Kosovo engrossar o número de estados falhados - o facto de o primeiro país a reconhecer a sua independência (o Afeganistão), ser um estado falhado tem já a sua ironia ... -, poderá tornar-se numa porta de entrada por onde o islamismo radical e do jihadismo vão tentar entrar na UE. Será que este foi um risco calculado?
JPTF 2008/02/19

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