fevereiro 01, 2008

Al-Andalus: ‘O mito do paraíso andalusiano‘ em questão


Chateaubriand e Washington Irving têm uma brilhante sucessora pós-moderna na professora de Literatura Espanhola e Portuguesa na Universidade de Yale, María Rosa Menocal. No seu livro Ornament of the World. How Muslims, Jews and Christians Created a Culture of Tolerance (Ornamento do Mundo. Como Muçulmanos, Judeus e Cristãos Criaram uma Cultura de Tolerância, 2002), dá-nos uma magistral "lição de História" sobre a convivencia, lado a lado, das três culturas (muçulmanos, cristãos e judeus) no Al-Andalus e as realizações culturais dos árabes-berberes da Península. Já tinha essa impressão do livro de Juan Vernet, Lo que Europa debe al Islam de España (1999), mas agora, com María Rosa Menocal, fiquei mesmo convencido. Na escola andavam-nos a enganar sobre o nosso passado! Nem o Renascimento teve origem nas cidades do Norte de Itália, nem a revolução científica teve as suas bases no Ocidente do século XVII, nem o Iluminismo foi inventado pelos arrogantes filósofos franceses no século XVIII, nem o diálogo inter-religioso das três religiões abraâmicas foi criado pelo Concílio Vaticano II, nem sequer o multiculturalismo e as políticas de identidade pós-modernas, derivadas do pensamento de Foucault, Derrida e outros, afinal têm nada de original. Já tudo isto existia, de alguma maneira, no Al-Andalus. Quando aos nativos da península, os cristãos hispano-visigóticos e outros indígenas, eram sem dúvida uns rústicos agressivos e pobres de espírito, que só podiam ter ficado gratos à mission civilisatrice e ao "Iluminismo" dos conquistadores árabes-berberes. Aqueles que sustentaram que "todas as culturas são boas", como os antropólogos culturais Frank Boas, Margareth Mead e Claude Lévy-Strauss andaram a fazer ao longo de décadas, estão errados. A investigação "estórica" de María Rosa Menocal mostra convincentemente como há culturas superiores (a árabe-muçulmana) e outras inferiores (a cristã-latina).

Estranhamente, há ainda alguns escritores e professores de Literatura que não aceitam esta narrativa científica e escrevem coisas absurdas como esta: "A existência de um reino muçulmano na Espanha medieval onde diferentes raças e religiões viviam harmoniosamente em tolerância multicultural, é um dos mitos hoje mais espalhados. Os professores ensinam-no nas universidades. Os jornalistas repetem-no. Os turistas que visitam o Alhambra aceitam-no [...] O problema com esta crença é que é historicamente infundada, um mito. As realizações culturais fascinantes da Espanha muçulmana não podem obscurecer o facto de que esta nunca foi um exemplo de convivencia pacífica." (p. 23). Assim começa irritantemente contra a corrente, o artigo de Darío Fernandéz-Morera, professor de Espanhol e Português e de Literatura Comparada da Northwest University dos EUA, publicado em finais de 2006 na Intercollegiate Review o artigo The Myth of the Andalusian Paradise (O Mito do Paraíso Andalusiano). Adivinha-se que o artigo não fará parte da bibliografia utilizada por escritores, poetas e comentadores políticos românticos e outros não tão românticos, que andam a transformar subtilmente estórias (contos, narrativas) em História. A sua leitura é também (des)aconselhada para os crentes no mito da convivencia e para todos que pretendem (re)construir o passado à luz da ideologia multicultural do presente. O seu efeito pode ser mais traumático do que dizer a uma criança que o Pai Natal nunca existiu.
JPTF 2008/02/01

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