fevereiro 08, 2008

O Arcebispo pró-Sharia e a corrupção das democracias liberais e secularistas


As recentes declarações do Arcebispo de Cantuária, Rowan Williams – o principal dignitário religioso da Igreja Anglicana e um dos tradicionais pilares do estado britânico – a favor da introdução da Xária (Sharia) islâmica no Reino Unido (para já) em matéria de família, mostram uma personalidade que, ou por crise pessoal de fé na religião que representa, ou por ingenuidade política, ou ambas as coisas, não está à altura de liderar a Igreja Anglicana. Mas esse é um problema dos anglicanos e não é o lado mais preocupante da questão para a generalidade das sociedades democráticas e pluralistas. O que é mais preocupante para qualquer observador atento da sociedade britânica (como de outros países europeus e ocidentais), é que esta é apenas uma ponta visível de um processo que está a corroer, por dentro, os próprios fundamentos da democracia liberal secularista. Nesse processo, o Arcebispo de Cantuária está longe de ser um actor isolado e de ter emitido uma opinião marginal e sem apoios. Na génese da actual dinâmica de perversão da democracia liberal e secularista encontra-se uma ideologia – o multiculturalismo –, que, sob uma aparência de democraticidade, procura promover até à exaustão a diversidade, pondo lentamente em causa o próprio funcionamento das instituições e valores que suportam as sociedades abertas, democráticas e pluralistas. Os efeitos negativos da ideologia multiculturalista para as democracias pluralistas (note-se que o pluralismo não é sinónimo de multiculturalismo, o pluralismo é tolerante com a diferença mas não tem por objectivo promovê-la, ao contrário do multiculturalismo e do seu programa ideológico – este é um aspecto distintivo crucial), já foram amplamente dignosticados e denunciados por politólogos como Giovanni Sartori (Pluralismo, Multiculturalismo e Estrangeiros, 2000) em Itália e Brian Barry nos EUA (Cultura e Igualdade, 2001). Todavia, várias décadas de enraizamento desta ideologia, associadas a uma burocracia e a grupos e organismos que dizem representar comunidades e grupos minoritários, vivendo e florescendo à sombra do sistema, não são fáceis de reverter. No caso britânico, tal como acontece em outros países europeus e na União Europeia, uma elite sem rosto, sem legitimidade democrática – e, ao que tudo indica, também não reflectindo a opinião e vontade da maioria da população –, trabalha em múltiplos comités, grupos de trabalho, task-forces, organismos, etc., por trás dos bastidores, na operacionalização deste tipo de medidas de “democracia" étnico-religiosa. Quando as coisas aparecem para a opinião pública já são praticamente facto consumado, ou apresentadas como medidas inevitáveis, que é necessário tomar. Tudo indica que o terreno está agora a ser preparado desta forma para tentar abrir caminho a uma legitimação da Xária islâmica na Europa. No Canadá, em 2005, foi necessária a corajosa de acção de uma mulher, Homa Arjomand, uma iraniana fugida da revolução islâmica de 1979, que sabe muito bem o que é o carácter retrógrado e opressivo da Xária, sobretudo para as mulheres. Quanto às elites canadianas, refugiarem-se, ou ficaram bloqueadas, no relativismo fashion e falsamente tolerante da sua ideologia multiculturalista. A experiência do Canadá e agora as pressões visíveis no Reino Unido para o reconhecimento, pelo Estado, da Xária, mostram que estamos à beira de um perigoso retrocesso civilizacional que está a transformar as democracias liberais e seculares em “democracias" étnico-religiosas.
JPTF 2008/02/08

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