janeiro 14, 2008

Filosofia ‘à la carte‘: da sedução nacional-socialista (Nazi) à sedução pós-moderna (PoMo) por Nietzsche


Se há um filósofo tratado com a reverência de um profeta por (quase) todas as ideologias anti-democráticas e iliberais, este é certamente Nietzsche. A primeira vaga de hermenêutas nietzscheanos teve o seu apogeu com a direita radical alemã e italiana dos anos 20/30 do século XX. Nessa altura, aquele que satiricamente afirmara "filosofar com um martelo", foi elevado ao estatuto de "filósofo da corte" por fascistas italianos e nacionais-socialistas alemães, ambos seduzidos pelas ideias de uma elite de übermensch (“superhumanos”), que estava "acima do bem e do mal" e tinha por destino último governar o rebanho humano. Com a queda traumática da utopia übermensch do III Reich deu-se uma verdadeira "transmutação de todos valores". Numa lógica de tipo "fundacionalista", o "filósofo do martelo" foi reconstruído como precursor da utopia multiculturalista e das políticas de identidade, sendo usado contra as próprias democracias liberais que venceram com os totalitarismos nazi e fascista. Pela via à primeira vista improvável da esquerda radical francesa, surgiu uma segunda vaga de hermenêutas que suplantou a direita radical alemã e italiana dos anos 20/30 num culto de Nietzsche (les extrêmes se touchent...), mais fashion e de tipo pós-estruturalista ou pós-moderno (PoMo, para os críticos). Com o seu apogeu nos anos 60/70 do século, baseou-se em apropriações "originais" do pensamento de Nietzsche, feitas por Deleuze, Foucault, Derrida e outros. Apesar de já ter perdido algum do glamour do passado, hoje continua bem instalada na academia e a ter os seus entusiastas e locais de culto, sobretudo nos meios "alternativos" das Humanidades e Ciências Sociais. Quanto a outros adeptos de ideologias fortes, anti-democráticas e iliberais, como os actuais movimentos islamistas radicais, parecem também já ter descoberto o potencial de "emancipação" e de "progressivismo" da filosofia de Nietzsche e as enormes potencialidades políticas do seu uso à la carte. A perspectiva de uma promissora terceira vaga de hermenêutas, despida do eurocentrismo das anteriores, paira já no ar. Enquanto esta não chega, podemos saborear o laudatório Nietzsche e o Pós-modernismo de Dave Robinson (Londres, Icon Books, 1999) e o não assim tão laudatório Nietzsche, Profeta do Nazismo: O Culto do Superhomem (na realidade uma denúncia contundente) de Abir Taha (Bloomington, Authorhouse, 2005).
JPTF 2008/01/14

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