abril 23, 2007

Comentário: o que aconteceu a Karl Marx e ao proletariado?



Decididamente as concepções de esquerda e direita já não são o que eram, desde que os conceitos de esquerda e direita surgiram com a Revolução Francesa de 1789 (a ala esquerda da assembleia constituinte era ocupada pelos jacobinos, bem conhecidos pelo seu anti-clericalismo, laicismo e ideário igualitarista radical, precursor do pensamento de Karl Marx e da luta do proletariado contra a burguesia). Uma concepção contemporânea de esquerda obcecada pela différence (Jacques Derrida), e que vê a igualdade e a universalidade como uma forma de opressão, está a emergir e deve-se, entre outras influências marcantes, a teorizadoras feministas como Iris Marion Young, da Universidade de Chicago, e a Judith Butler, professora de Literatura e teoria queer da Universidade de Berkeley. Provavelmente de forma bastante decepcionante para estas, a candidata socialista à presidência da república francesa, Ségolène Royal, está ainda presa a concepções “patriarcais” e igualitárias de uma esquerda herdeira do Iluminismo e da Revolução Francesa, avessa às inovações académico-políticas anglo-saxónicas, que causam sempre muita perturbação em França (onde, por exemplo, não há globalização mas mondialisation). Em Portugal não temos desses problemas pois é bem conhecida a nossa propensão para a inovação (leia-se para a importação e imitação), por isso as novas teorizações da esquerda política, incluindo os estudos queer, que são um saber anglo-saxónico, já estão a dar os primeiros passos (veja-se, por exemplo, o nº 76 da Revista Crítica de Ciências Sociais, da Universidade de Coimbra) o que, naturalmente, entusiasma as mentes abertas, na academia e fora dela. Mas quem faz parte desta nova concepção de esquerda, que não é propriamente a da Revolução Francesa e a da luta do proletariado? No Verão passado, Judith Butler, ao comentar a guerra entre Israel e o Hezbollah, terá afirmado, perante uma audiência académica em Berkeley, que o Hamas e o Hezbollah eram “movimentos sociais que fazem parte da esquerda global”. Nesta perspectiva, a direita conservadora e religiosa do Médio Oriente (constituída pelos partidos islamistas, entre os quais se encontram os radicais Hezbollah do Líbano e Hamas da Palestina e os islamistas-conservadores do AKP da Turquia), surge, agora, como uma nova imagem de “progressismo” social, e com uma identidade de “esquerda” global (com esta lógica, podemos imaginar como a FN de Jean-Marie Le Pen é também “progressista”). Todavia, nada de muito original se tivermos em conta que Michel Foucault viu na revolução iraniana de 1979 e nos islamistas radicais xiitas, liderados pelo Ayatollah Khomeini, uma nova forma de “política espiritual”. E que fazer, então, com o pensamento de Karl Marx e as suas preocupações igualitárias de um proletariado explorado pela burguesia e com a sua crítica à religião, vista como “ópio do povo”? Naturalmente que Marx só pode ser desconstruído (Jacques Derrida, Spectres de Marx) como mais uma “narrativa” feita por um Dead White European Male nascido numa família judaica, o que levanta a “suspeição”, dentro destes novos “movimentos sociais da esquerda global”, que deveria ser também islamófobo. Quo vadis esquerda?
JPTF 2007/04/23

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