janeiro 30, 2007

Livro “Tariq Ramadan devoilé”, de Lionel Favrot, Edições Lyon Mag, Hors série, 2004



Tariq Ramadan é um personagem praticamente desconhecido do público português, mas não é esse o caso de vários países da Europa Ocidental e da América do Norte, onde é já quase uma celebridade. Na Suíça, onde nasceu, a família Ramadan, que habita a cidade de Genebra é bem conhecida e o seu irmão Hani dirige o Centro Islâmico dessa cidade helvética, conhecida pela sua tradição de liberdade. Em França, a notoriedade junto do grande público deve-se, sobretudo, ao debate televisivo de 2003, com Nicolas Sarkozy, na altura da questão do véu (foulard). No Reino Unido, onde actualmente é professor convidado do St. Anthonhy´s College da Universidade de Oxford, integra também, desde Agosto de 2005, a convite de Tony Blair, uma task force para analisar as raízes do extremismo, constituída após os atentados de 7/7 de 2005. A revista norte-americana Time considerou-o um dos líderes espirituais e um dos pensadores inovadores do século XXI, que “liga os seus valores islâmicos com a cultura ocidental”. Com todo este historial e credenciais, a primeira reacção ao olharmos para o título de livro de Lionel Favrot ( “Tariq Ramadan desmascarado”) é de alguma incredulidade e de o avaliar como mais um livro sensacionalista que pretende denegrir um intelectual respeitado, explorando as fobias ocidentais do pós 11 de Setembro de 2001, face ao Islão e aos muçulmanos. Embora esse tipo de literatura de facto abunde, aproveitando, não invulgarmente, para extravasar sentimentos racistas e xenófobos, não é esse o caso desta publicação. O livro coloca muitas questões e lança dúvidas bastante sérias sobre este “líder espiritual e pensador inovador do século XXI”. Mas antes de falarmos do teor do livro, uma nota sobre o seu autor e o editor. O Lyon Mag é um revista independente, fundada em 1995, maioritariamente detida pelos próprios jornalistas, como é o caso de Lionel Favrot. Desde os primeiros tempos que a revista investiu no jornalismo de investigação, tendo feito algumas investigações de vulto, nomeadamente sobre as acções dos movimentos islamistas junto dos muçulmanos dos bairros periféricos das grandes cidades francesas. É ao Lyon Mag que se deve a entrevista a Abdelkader Bouziane, o iman de Vénissieux, que acabou por ser expulso de França em 2004, pelas suas actividades de radicalização dos jovens muçulmanos e de apelo à violência contra as mulheres. Um outro aspecto que merece atenção, é o teor do prefácio de Soheib Bencheikh, que é um dos mais eruditos teólogos muçulmanos europeus. Foi grande mufti de Marselha e actualmente é membro do Conselho Francês do Culto Muçulmano, tendo formação teológica na Universidade de Al-Azhar do Cairo. É sobretudo um muçulmano que promove um Islão aberto, tolerante e adaptado as sociedades europeias (ver a recensão ao livro Marianne et le Prophète, efectuada neste site). Tal como Soheib Bencheikh faz notar (p. 13), “não é o Islão que está em causa quando se fala de Tariq Ramadan, mas o ‘islamismo‘, quer dizer, esta ideologia político-religiosa que toma como refém a fé dos muçulmanos”. E acrescenta este de seguida: “O que eu posso afirmar pessoalmente, sem hesitar, é que Tariq Ramadan não é, em caso algum, um moderado. Basta assistir a essas reuniões onde ele coloca as mulheres cobertas pelo véu, de um lado, e os homens barbudos, do outro lado, para ver a que sociedade ele aspira. O seu objectivo é isolar os jovens muçulmanos do resto da sociedade ocidental. Aliás, este extrai os seus discursos da literatura politizada dos Irmãos Muçulmanos”. Para o público menos familiarizado com este assunto, importa notar que os Irmãos Muçulmanos (ou Irmandade Muçulmana), são a primeira organização islamista do século XX, fundada no Egipto, em 1928, por Hassan al-Banna, avô de Tariq Ramadan. Actualmente são uma poderosa organização internacional, com vários rostos, presente um pouco por todo o mundo muçulmano e na Europa e América do Norte, onde, através de grupos e organismos nacionais que lhe são próximos, procura difundir a sua ideologia e colocar-se como representante da “comunidade muçulmana”. A estratégia parece ser a de abafar a voz de outras correntes do Islão, sobretudo dos muçulmanos liberais e secularistas, que naturalmente se lhe opõem, e dominar as actividades religiosas e educativas através de “escolas confessionais”, actividades sociais e de culto, etc., aparentemente inócuas do ponto de vista político. Observação importante: todos os grandes pensadores e organizadores do islamismo enquanto ideologia, desde Hassan al-Banna a Sayyid Qutb, passando por Sayyid Mawdudi, apostaram sempre nas actividades sociais e educativas como melhor forma de difundir a sua ideologia e colher resultados mais à frente. Para esta estratégia, aos jihadistas da Al-Qaeda deram-lhes indirectamente uma boa ajuda, permitindo-lhes apresentar-se, junto de governos europeus desorientados e à procura de interlocutores, como o rosto de um “Islão moderado”, que condena o terrorismo. Este é um trabalho estratégico notável dos Irmãos Muçulmanos que, pacientemente, tem sido desenvolvido ao longo de várias décadas, e com apreciável sucesso. Nos últimos tempos, o seu campo de acção é também a Europa (ver a notícia do jornal Guardian de 29/01/2007, sobre o crescente apoio das gerações de jovens muçulmanos à Xária islâmica e ao uso de véu). Apesar de sempre ter negado qualquer vínculo com a organização dos Irmãos Muçulmanos e com a sua ideologia, tudo indica que Tariq Ramadan converge, à sua maneira, com esta linha de actuação estratégica. Na origem da sua transferência para o Reino Unido está, provavelmente, o facto de ter percebido a “janela de oportunidade” que a ideologia e política multiculturalista britânica representa. Esta é muito mais interessante do que a laïcité francesa, que funciona como barreira aos seus propósitos de islamização do social e do político (isto, para não falarmos na maior visibilidade que dá o Reino Unido e a língua inglesa, como veículo privilegiado de comunicação). Neste aspecto, a estadia durante o ano de 1998, na Fundação Islâmica de Leicester, próxima do Jamaat-i-Islami paquistanês de Sayyid Mawdudi, deve ter funcionado como uma espécie de “revelação” premonitória. Uma obra importante de jornalismo de investigação que valia a pena traduzir para língua portuguesa. Quanto aos mais mais incrédulos, podem começar por ouvir extractos sobre as predicações de Tariq Ramadan no site do Lyon Mag em http://www.lyonmag.com/spip.php?article9722
JPTF 30/01/2007

janeiro 29, 2007

“Mais jovens muçulmanos apoiam a Xária (Sharia) diz estudo de opinião”, in jornal “Guardian”, 29 de Janeiro de 2007


A growing minority of young Muslims are inspired by political Islam and feel they have less in common with non-Muslims than their parents do, a survey reveals today. The poll, carried out for the conservative-leaning Policy Exchange thinktank, found support for Sharia law, Islamic schools and wearing the veil in public is significantly stronger among young Muslims than their parents. In the survey of 1,003 Muslims by the polling company Populus through internet and telephone questionnaires, nearly 60% said they would prefer to live under British law, while 37% of 16 to 24-year-olds said they would prefer sharia law, against 17% of those over 55. Eighty-six per cent said their religion was the most important thing in their lives.
Nearly a third of 16 to 24-year-olds believed that those converting to another religion should be executed, while less than a fifth of those over 55 believed the same. The survey claimed that British authorities and some Muslim groups have exaggerated the problem of Islamophobia and fuelled a sense of victimhood among some Muslims: 84% said they believed they had been well treated in British society, though only 28% thought the authorities had gone over the top in trying not to offend Muslims. Munira Mirza, a doctoral student at Kent University who wrote the report, said: “The government should engage with Muslims as citizens, not through their religious identity.”
http://politics.guardian.co.uk/thinktanks/story/0,,2000984,00.html
Nota: Ver o estudo integral da Policy Exchange que baseou esta notícia do jornal britânico Guardian, intitulado Living Apart Together: British Muslims and the paradox of multiculturalism, elaborado por Munira Mirza, Abi Senthilkumaran e Zein Ja´far, que está disponível em http://www.policyexchange.org.uk
JPTF 29/01/2007

janeiro 28, 2007

Livro “Manifeste pour un Islam des Lumières”,, de Malek Chebel, Paris, Hachette, 2004





O modelo de integração da França que tradicionalmente conjuga a tradição republicana da laicitë com a ideia de uma cidadania igualitária (abstraindo da diferença cultural e religiosa), tem sido, nos últimos tempos, fortemente atacado pela direita conservadora e retrógrada (obcecada pelo jacobinismo e anti-clericalismo francês) e por boa parte da New Left (seduzida pela ideologia multiculturalista de influência anglo-saxónica). No caso português, onde os pensadores são escassos, e onde tradicionalmente se cultivam modelos importados, não é surpreendente que a moda intelectual e política se tenha transferido para a ideologia multiculturalista, seja na versão soft de Will Kymlicka, seja na versão hard de Iris Marion Young e outros. Quando hoje se discutem as virtudes e defeitos dos diferentes modelos de integração, valeria a pena olhar com mais atenção para o país onde existe a maior população muçulmana da Europa Ocidental, e para além da questão do véu ou da turbulência ocorrida nos subúrbios das grandes cidades, em finais de 2005. Uma das coisas que chama à atenção, quando se analisa com algum pormenor o Islão francês, é que aí existe um número particularmente significativo de muçulmanos liberais, provavelmente com maior dimensão, em termos absolutos e relativos, do que em qualquer outro país da Europa e Ocidente. Será mero acaso, ou será que a tradição republicana de, cidadania laica e igualitária também contribui para essa realidade? Seja qual for a resposta, a verdade é que em França encontramos intelectuais como Abdelwahab Medded, Ghaleb Bencheikh, Mohamed Arkoun, Soheib Bencheikh, entre outros, que sustentam e promovem um Islão aberto, tolerante, que se procura adaptar às sociedades contemporâneas (questão: quantos muçulmanos liberais já produziu a ideologia multiculturalista, em países europeus como o Reino Unido?). E encontramos também propostas reformistas importantes, como as apresentadas neste Islão da Luzes do antropólogo francês, de ascendência argelina, Malek Chebel. No seu livro, assume a influência do Iluminismo francês e europeu do século XVIII, como modelo de reforma do Islão, como explica logo nas páginas iniciais (p. 10): «A expressão ‘Islão das Luzes‘ pode surpreender. Empregue aqui no sentido que lhe dão os historiadores quando evocam o século XVIII e XIX, ela visa sobretudo mostrar que, nem o Islão, nem o mundo árabe, estão irremediavelmente zangados com a ideia de progresso». A adesão aos valores do Iluminismo e Racionalismo, feita por Malek Chabel, e a sua vontade de os utilizar na reforma do Islão é algo muito importante. Em termos intelectuais, o confronto hoje não é só contra o obscurantismo dos islamistas. Deparamo-nos com um outro projecto que nada tem a ver com o Islão - o do pós-modernismo ocidental -, mas que também adquire, nos casos mais extremos, os contornos surpreendentes de um novo obscurantismo (ver o livro de Richard Wolin, The Seduction of Unreason, 2004). Entre as 27 propostas para um Islão das Luzes, feitas no livro de Malek Chebel, há uma que, nas circunstâncias políticas actuais, inevitavelmente chama à atenção do leitor, que é a proposta de decretar a «guerra santa» como algo «inútil e ultrapassado». Como este explica (p. 39), o que está em causa é «substituir a guerra santa (jihad) por uma verdadeira ascese interior, um sacerdócio orientado em direcção ao bem, um verdadeiro aprofundamento da fé e não uma diversão obtida com a ponta da espada. A paz contra a guerra, será possível? Poucos muçulmanos aderem à necessidade de levar a guerra santa aos quatro cantos do mundo habitado, mas aqueles que a aceitam denunciá-la publicamente são ainda menos». Este espírito de crítica e de reforma de Malek Chebel mostra a enorme injustiça que se comete quando pretende ligar, indiscriminadamente, o Islão e os muçulmanos a ideologias políticas como o islamismo e ao seu extremo violento (o jhiadismo). E mostra ainda os erros que têm sido cometidos pelos governos e e autoridades nacionais e europeias, ao não apoiarem e escolherem como interlocutores os muçulmanos liberais e as suas organizações (deixando essa tarefa, frequentemente, nas mãos de indivíduos e grupos islamistas), pois estes são cruciais para a integração harmoniosa das populações muçulmanas. Uma leitura obrigatória para todos os que pretendem conhecer os ventos de reforma do Islão europeu.
JPTF 2007/01/28

janeiro 27, 2007

Livro “Marianne et le Prophète. L´Islam dans la France Laïque”, de Soheib Bencheikh, Paris, Grasset, 1998




Já tem uns anos mas vale a pena ler, ou reler, este excelente Mariana e o Profeta, de Soheib Bencheikh, um ensaio sobre o Islão francês. E vale a pena ler não só porque o autor é um erudito teólogo muçulmano com um notável curriculum (grande mufti de Marselha, membro do Conselho Francês do Culto Muçulmano), sendo actualmente um dos candidatos às eleições presidenciais francesas, mas também para se perceber como existe um Islão esclarecido, aberto e tolerante, muitas vezes subestimado, sobretudo por desconhecimento do grande público e até dos próprios governos europeus e ocidentais, Infelizmente, como resultado desse desconhecimento, aos muçulmanos liberais não é dado suficiente apoio para desenvolverem a sua acção integradora, religiosa e cívica. A visão do Islão que nos é dada por Soheib Bencheikh nada tem a ver com os estereótipos negativos frequentemente existentes, e que, infelizmente, penalizam os muçulmanos indiscriminadamente. Um outra grande virtude deste livro é que permite perceber bem as diferenças de um Islão aberto, tolerante e que se procura adaptar aos tempos modernos e o Islão politizado, radicalizado e retrógrado, que é difundido pelos islamistas, cuja estratégia é abafar as vozes dos muçulmanos liberais. Trata-se de um ensaio sóbrio e erudito, feito por um universitário que é também um homem de fé, sobre a integração dos muçulmanos na sociedade laica francesa. Mas a sua análise poderia servir muito bem para os muçulmanos de qualquer país europeu. Um livro que deveria estar traduzido para língua portuguesa, pois contém uma contribuição importante e genuína para o conhecimento do Islão e para um diálogo e entendimento entre as diferentes religiões, algo que não abunda nos tempos conturbados e confusos em que vivemos.
JPTF 2007/01/27

janeiro 26, 2007

Livro “Foucault and the Iranian Revolution” de Janet Afary e Kevin B. Anderson, Imprensa da Universidade de Chicago, 2005




«O Orientalismo romântico de Foucault», podia muito bem ser o título deste livro, que coloca, a partir de uma perspectiva feminista e de esquerda, questões profundas e particularmente incómodas sobre o pensamento de Foucault e a sua crítica enviesada da modernidade. Sendo um dos autores canónicos do actual pós-modernismo nas Ciências Socias e Humanas, o assunto é tanto mais curioso quanto Michel Foucault ganhou fama pela sua «filosofia da suspeição» e pela «desconstrução» das grandes narrativas e utopias ocidentais. Ironicamente, Foucault, o «desconstrutor» e «genealogista», afinal também tinha a sua utopia romântica. Qual era? Vejamos os acontecimentos. Com o início da revolução iraniana, Foucault decidiu visitar o Irão para assistir ao desenrolar desta, que foi objecto do seu particular interesse e entusiasmo como intelectual «engagé». Na sua deslocação ao Irão assumiu um papel de jornalista de investigação, funcionando como correspondente especial do jornal italiano «Corriere della sera». Publicou também algumas das suas peças jornalísticas na imprensa francesa, nomeadamente no jornal «Le Monde» e na revista «Nouvel Observateur». Nesses textos, Foucault retratou de forma quase entusiástica o movimento islamista iraniano liderado pelo Ayatollah Ruhollah Khomeini, vendo-o como uma nova forma de «vontade política», perfeitamente unificada, que abria «uma dimensão espiritual na política». Isto, em contraste com as «cruéis, selvagens, egoístas, desonestas e opressivas sociedades» criadas pelo moderno capitalismo liberal. Como realçam Janet Afary e Kevin B. Anderson, uma ilação profunda resulta do episódio iraniano de Foucault e não está apenas relacionada com este pensador. A ilação é particularmente importante para a actualidade e está relacionada com o fenómeno geral do «fundamentalismo religioso», mostrando a existência de um bloqueio intelectual que afecta várias correntes da esquerda política, impedindo uma resposta adequada a este. Uma leitura que se recomenda aos seguidores e aos críticos.
Esta recensão foi publicada na Crítica: Revista de Filosofia e Ensino http://www.criticanarede.com/
JPTF 26/01/2007

janeiro 24, 2007

Livro “L´Iran, la bombe et la démission des nations”, de Thérèse Delpech, Paris, Edições Autrement, 2006




A investigadora francesa associada ao CERI e membro do IISS de Londres, Thérèse Delpech, publicou um interessante trabalho sobre a questão nuclear iraniana. Em “L´Iran, la bombe et la démission des nations”/“O Irão, a bomba e a demissão das nações” analisa a estratégia de abordagem à ambição nuclear iraniana, dos diferentes actores internacionais (UE, EUA, Rússia, China, Coreia do Norte, África do Sul, Paquistão, Egipto e Índia, incluindo, também a Agência Internacional de Energia Atómica). A análise de Thérèse Delpech é essencialmente pessimista, mostrando como o Irão tem conseguido aproveitar a ambiguidade, as contradições e os interesses divergentes dos diferentes actores internacionais, para ganhar tempo e prosseguir com o seu programa nuclear que, na versão oficial, é para fins exclusivamente civis. Como faz notar a autora, quando a questão nuclear iraniana começou a ocupar a agenda internacional, em 2004, surgiu também a retórica de Ahmadinejad sobre a inexistência do genocídio da população judaica durante a II Guerra Mundial, feito regime nazi (que já fez deste um herói da extrema-direita) e sobre a necessidade de «riscar Israel do mapa». Coincidência? Obviamente que não. Num certo sentido, tudo isto é um déjà vu: as ambições de poder e de liderança dentro do mundo árabe-islâmico têm, desde a primeira guerra israelo-árabe em 1948, levado à instrumentalização sucessiva da causa palestiniana pelos seus «irmãos muçulmanos». O Irão de Ahmadinejad está, à sua maneira, a fazer algo similar ao Egipto de Gamal Abdel Nasser nos anos 50 e 60; à Síria de Hafez el-Assad e a Líbia de Muhammad al-Khadafi anos 70 e 80; e ao Iraque de Saddam Hussein nos anos 80 e 90: ou seja, a tentar liderar o mundo muçulmano e a afirmar a sua hegemonia regional. Hoje mais do que nunca, o trunfo nuclear parece ser a carta mais ambicionada neste jogo de poder. Resta saber onde nos levará esta estratégia do Irão de Mamoud Ahmadinejad. A questão fundamental é que o mundo actual existem inúmeras tensões acumuladas com origem em actores estaduais, desde o Mediterrâneo ao Extremo Oriente (Palestina, Iraque, Caxemira, Afeganistão, Taiwan, Coreia do Norte, etc.) e também não estaduais (Al-Qaeda, etc.), como muito bem evidenciou Thérèse Delpech no seu livro anterior (“L'ensauvagement: Le retour de la barbarie au XXIe siècle”). Neste contexto, desequilíbrios na balança de poderes regionais associados, ou não, a conflitos aparentemente insignificantes, podem ser o rastilho de uma confrontação alargada, de consequências imprevisíveis para toda a humanidade.
JPTF 2007/01/24

janeiro 20, 2007

Livro “Rethinking Islamism: The Ideology of New Terror” de Meghnad Desai, Londres, Editora I. B. Tauris, 2006




O livro Rethinking Islamism: The Ideology of New Terror/Repensar o Islamismo: A Ideologia do Novo Terror, de Lord Meghnad Desai (membro da Câmara dos Lordes, de ascendência indiana, ligado ao Partido Trabalhista britânico e ex-professor de Economia da London School of Economics and Political Science), traz um contributo importante para a compreensão do Islamismo, como ideologia política. Desde logo, porque o autor tem o cuidado de traçar uma distinção conceptual importante, entre o Islão (uma religião e cultura) e o Islamismo (uma ideologia política), evitando cair na vulgata distorcedora do «conflito de civilizações» e na vulgata alternativa da «aliança de civilizações». A consequência salutar desta distinção é que mostra o absurdo de equacionar o Islão e os muçulmanos, no seu conjunto, com o terrorismo. Ou seja, estamos perante uma ideologia política específica, cujas raízes se encontram de facto no Islão, como cultura e religião, mas cujos primeiros inimigos são os próprios muçulmanos que se lhe opõem (a maioria). Depois, porque como assinala o autor, apesar da sua fraseologia religiosa, a ideologia do islamismo, na sua versão mais extrema (o jihadismo), não é qualitativamente muito diferente de outras ideologias seculares ocidentais extremistas que, de uma forma ou de outra, promoveram também a violência e o terror (Meghnad Desai exemplifica a sua comparação com o Leninismo, o Trotskysmo e o Maoísmo, bem como com grupúsculos terroristas como o Baader-Meinhof germânico e as Brigadas Vermelhas italianas). Uma análise lúcida e bastante interessante feita por um não especialista no Islamismo, na sequência dos traumáticos atentados terroristas de 7/7 de 2005 em Londres. O aspecto menos conseguido do livro é um excesso de ênfase no extremo do Islamismo, o jhiadismo (e na Al-Qaeda de Osama Bin-Laden), esquecendo outras facetas e estratégias, menos violentas e espectaculares, mas não menos perigosas do ponto de vista ideológico e de desestruturação social, deste amplo e heterogéneo movimento, que tem tido no Reino Unido um ambiente particularmente acolhedor para as suas acções.
JPTF 20/01/2007

janeiro 19, 2007

Livro “La tyrannie de la pénitence. Essai sur le masochisme occidental”, de Pascal Bruckner, Paris, Edições Grasset, 2006





A Tirania da Penitência. Ensaio sobre o Masoquismo Ocidental/La tyrannie de la pénitence. Essai sur le masochisme occidental, é um lúcido, perturbante e deliberadamente polémico ensaio do escritor francês, Pascal Bruckner, sobre o masoquismo ocidental e a tendência para a autoflagelação permanente dos europeus. Pascal Bruckner analisa as raízes filosóficas e políticas mais profundas desta forma de pensar, e de estar, que marca profundamente, pela negativa, a cultura europeia e ocidental contemporânea, retomando o tema de O Lamento do Homem Branco/Le Sanglot de l´homme blanc (1983). Pela sua importância, um livro a traduzir urgentemente para língua portuguesa. Reproduz-se aqui a sugestiva apresentação que, na contracapa do livro, o autor efectua: «O mundo inteiro odeia-nos e nós merecêmo-lo bem: esta é a convicção de uma maioria de europeus e a fortiori de franceses. Desde 1945, o nosso continente é habitado pelos tormentos do arrependimento. Reassumindo as suas abominações passadas, as suas guerras incessantes, as perseguições religiosas, a escravidão, o fascismo, o comunismo, apenas vê na sua longa história uma continuidade de matanças que levaram a duas guerras mundiais, o mesmo é dizer a um suicídio entusiasta. A este sentimento de culpabilidade, uma elite intelectual e política, dá as suas credenciais de nobreza, assalariada à manutenção do remorso como outrora os guardiães do fogo: «o Ocidente» seria, assim, devedor de tudo que não é seu, sujeito a todos os julgamentos, condenado a todas as reparações. Nesta ruminação lúgubre, as nações europeias esquecem que elas, e somente elas, fizeram o esforço de ultrapassar a sua barbárie, para a pensar e libertar-se dela. E se o arrependimento fosse o outro rosto da abdicação?»
JPTF 13/01/2007

janeiro 18, 2007

Livro “Culture and Equality: An Egalitarian Critique of Multiculturalism”, de Brian Barry, Imprensa da Universidade de Harvard, 2001



Excelente crítica ao multiculturalismo – a nova ideologia ocidental da diferença –, feita de um ponto de vista liberal e igualitário, por Brian Barry, professor de Filosofia e Ciência Política da Universidade de Columbia, em Nova Iorque. Um livro de referência no debate contemporâneo da Filosofia e Ciência Política, com óbvia relevância para a acção política. Particularmente interessantes e bem elaboradas são as críticas de Brian Barry às teses daqueles que podem ser considerados os ideológos do multiculturalismo, seja na versão «multicultural-liberal» do canadiano Will Kymlicka, seja na versão «marxista-cultural» da norte-americana Iris Marion Young. Como defensor da ideia da nação cívica e de uma cidadania unitária e igualitária, Brian Barry rejeita o multiculturalismo (e a tentação comunitarista), em qualquer das suas versões. Este relembra que a construção da cidadania igualitária foi o modelo das sociedades europeias para acomodar a diferença religiosa subsequente à extrema diversidade da Europa dos séculos XVI e XVII e às guerras de religião que a devastaram. O modelo de cidadania igualitária que daí resultou abstrai da diversidade religiosa e cultural, tendo sido determinante na pacificação social europeia subsequente à Reforma Protestante. Nas últimas décadas, as políticas de identidade (ou políticas da diferença), reclamadas pelos ideólogos do multiculturalismo (e postas em prática no Canadá, nos EUA, no Reino Unido, na Austrália, na Holanda, etc.), actuaram como factor duplicador da diferença, destruindo progressivamente a ideia de nação cívica e de uma cidadania igualitária.
JPTF 2007/01/11

janeiro 17, 2007

“Ameaça de uma segunda era nuclear”, segundo o Boletim dos Cientistas Atómicos




A edição online de Janeiro de 2007 do Boletim dos Cientistas Atómicos, a revista não técnica, fundada em 1945, pelos físicos norte-americanos ligados ao Pojecto Manhattan (que permitiu aos EUA tornarem-se a primeira potência nuclear da história humana), alerta que «estamos no limiar de uma segunda era nuclear». Esta constatação levou os Cientistas Atómicos a decidirem avançar mais dois minutos o «Relógio do Juízo Final», um relógio simbólico que pretende funcionar como um indicador de perigosidade da situação e um alerta público. Ainda segundo o mesmo Boletim, «desde que foram lançadas as primeiras bombas atómicas sobre Hiroshima e Nagasaki, que o mundo não se depara com escolhas tão perigosas. O recente teste de uma arma nuclear feito pela Coreia do Norte, as ambições nucleares do Irão, o renovado ênfase dos EUA na utilidade das armas nucleares» e a continuidade da presença de cerca de 26,000 armas nucleares nos EUA e Rússia, «são sintomáticos de um grande falhanço em resolver os problemas provocados pela tecnologia mais destrutiva da terra». Tudo isto conjugado com os efeitos negativos das alterações climáticas, que impulsionam também uma corrida ao nuclear. Ver informação completa em http://www.thebulletin.org/weekly-highlight/weekly-highlight.html
JPTF 18/01/2007

janeiro 12, 2007

Livro “Islamismo e Multiculturalismo. As Ideologias Após o Fim da História”, Coimbra, Almedina, 2006


Resumo
O final da competição ideológica da Guerra Fria foi percebido como o «fim da história», no sentido de fim da evolução ideológica da humanidade, com a universalização do capitalismo e do modelo ocidental de democracia liberal parlamentar. Esta percepção, derivada duma visão eurocêntrica e associada à ideia novecentista de que a economia política é o campo natural da luta ideológica, levou a uma visão redutora do mundo e ao subestimar do potencial de atracção de outras ideologias, cujo cerne é «cultural», ou com raízes fora da cultura do Ocidente. É esse o caso do multiculturalismo, a mais recente e influente ideologia ocidental da diferença, bem como o do islamismo, uma poderosa ideologia de ambição universalista, cujas raízes intelectuais se encontram no Islão. Assim, neste livro, propõe-se uma análise sistemática e crítica destas duas ideologias, que têm merecido um escasso interesse no âmbito das publicações da Ciência Política e Relações Internacionais, apesar da sua relevância na política interna e internacional. Especificamente, a abordagem incide sobre as raízes filosóficas, os principais pensadores, as características distintivas e as versões em que estas ideologias se materializam. É ainda analisado o potencial de expansão do islamismo e as suas relações com o multiculturalismo, incluindo as suas estratégias de difusão nas sociedades europeias e ocidentais, bem como estudado o impacto que estes dois ideários têm na actual percepção histórica do passado.

Índice de Conteúdos
1. O islamismo como ideologia não ocidental de ambição universalista
2. A conexão cultural na Europa: a diáspora muçulmana e as populações autóctones dos Balcãs
3. A nova ideologia ocidental da diferença: o multiculturalismo
4. As alternativas estratégicas do islamismo nas sociedades ocidentais
5. A (re)leitura do passado à luz da ideologia do presente: o caso do Andalus

Almedina ISBN 972-40-2959-X

Recensão publicada na revista R:I nº 17 (2008)


JPTF 12/01/2007

janeiro 10, 2007

Entrevista ‘Islamistas à espreita da liberdade‘ in JN 2006/11/29


Entrevista
por Pedro Olavo Simões

Docente universitário e investigador nas áreas da Ciência Política e das Relações Internacionais, José Pedro Teixeira Fernandes tem dedicado boa parte do seu trabalho às questões turcas, sendo autor de Turquia: Metamorfoses de Identidade (Lisboa, ICS, 2005).


As diferenças fazem com que um ocidental não absorva, facilmente, a complexidade da Turquia. E José Pedro Teixeira Fernandes nota uma decorrência de novos desenvolvimentos da ocidentalização, a liberdade religiosa abrirá caminho aos islamistas.

JN|Turquia um Estado laico, onde o peso confessional do Islão é enorme...

José Pedro Teixeira Fernandes|De facto, a população é esmagadoramente muçulmana e o Estado é laico, mas não como nós entendemos não há separação entre Igreja e Estado, mas um controlo da religião pelo Estado.

A população absorveu isso?

O carácter laico e secular foi imposto por uma elite à maioria (o Exército é essencial na manutenção do sistema). O processo de adesão à União Europeia introduz um dado novo como este não é um modelo normal, os sectores islamistas perceberam que a UE é uma forma de terem liberdade religiosa e política, pois não separam as coisas.

O laicismo continua a ser defendido apenas pela elite?

Atatürk impôs uma visão quase pessoal. Mas, apesar de ter saído de um grupo restrito, este laicismo tem seduzido uma camada importante da população o Exército, a Administração Pública, os meios jurídicos... Há uma elite laica turca, de que é paradigma o presidente, Ahmet Necdet Sezer.

Há choque com o Ocidente?

Há uma questão ideológica, ligada ao Islamismo ou Islão político, que tem a estratégia de criar inimizades com o Ocidente, mas cujos primeiros inimigos são os próprios muçulmanos que se lhe opõem. Os islamistas serão uma minoria, mas, estando no poder um partido conservador religioso, parte do eleitorado é muito sensível a estas questões, o que torna difícil a gestão da política interna.

É, realmente, a ponte entre dois mundos?

Uma ponte com virtudes e fracturas internas. A Turquia tem duas facetas difíceis de encaixar uma virada para o Islão, e para o papel na Conferência Islâmica, outra voltada para a UE.

Temos ainda os curdos, a questão cipriota...

Não vejo solução fácil para o problema curdo. Para os europeus, a solução seria a autonomia, como existe em Espanha, mas isso é inconcebível para os turcos. No caso de Chipre, temos a República do Norte, que só a Turquia reconhece, e Chipre, membro da UE, que só governa o Sul da ilha. Há muitos problemas, relacionados com a memória histórica e religiosa, também com questões de propriedade. Ninguém sabe muito bem como é a população do Norte. A Turquia tem alimentado migrações, concedendo a nacionalidade cipriota, pelo que não se sabe quantos são os cipriotas turcos.

Persiste no Ocidente o espectro da ameaça otomana?

Há resistências de raiz histórica, no caso da Áustria, onde 90% da população se opõem à adesão, ou na Grécia. Neste caso, os problemas são maiores questões ligadas com os limites territoriais nas águas do Mar Egeu, os direitos do Patriarcado grego e o simbolismo de Constantinopla... Mas, também, importa notar que há pessoas ainda vivas, que estiveram envolvidas, em 1924, na expulsão de 1,3 milhões de gregos pela Turquia e de 400 mil muçulmanos, pela Grécia. Há feridas abertas.

http://jn.sapo.pt/2006/11/29/primeiro_plano/islamistas_a_espreita_liberdade.html
JPTF 2007/01/10

janeiro 09, 2007

Comentário “O islamismo e a vulgata do choque de civilizações”

A compreensão do mundo actual, especialmente do rumo dos acontecimentos internacionais após o 11 de Setembro de 2001, está a ser fortemente obscurecida pelos quadros mentais herdados do passado, que podem, de alguma forma, ser classificados como “eurocêntricos”. O primeiro quadro que obscurece essa compreensão está associado à ideia, difundida a partir dum ensaio publicado em 1989, na revista norte-americana The National Interest, por Francis Fukuyama, que sugere que o final da Guerra-Fria trouxe consigo o “fim da história”, em termos de evolução ideológica da humanidade. Nesta visão, o colapso do modelo soviético e a consequente descredibilização do socialismo-comunista deixou a democracia parlamentar liberal sem concorrentes importantes no terreno das ideologias (o “último homem” seria um produto universal do liberalismo democrático). Um equívoco, como é fácil de comprovar hoje (até certo ponto compreensível pelo entusiasmo com o fim da Guerra Fria). Na realidade, está actualmente em curso uma nova e dura competição ideológica em que o principal desafiador – o islamismo (radical) – é uma ideologia, que é política, que tem forte capacidade mobilizadora, que dispõe de argumentos racionais, emotivos e religiosos, e cujo núcleo é de tipo “cultural”, sendo os seus principais pensadores e ideário exteriores à matriz da cultura ocidental. Para além da ideia do “fim da história”, a não representação do islamismo como ideologia política (basta ver as páginas em branco dos manuais de Ciência Política sobre este assunto...), e como principal desafiador do actual statu quo internacional, tem ainda uma outra explicação: o obstáculo intelectual que resulta duma forma de pensar, herdada do século XIX, onde a competição ideológica é vista como tendo o cerne na economia política (tipo liberalismo versus marxismo). A questão é que se isto foi válido no passado europeu e ocidental, hoje é uma visão redutora que não explica bem o presente, nem as tendências que se parecem desenhar para o futuro próximo (isto, obviamente, sem negar a importância da economia política na compreensão do mundo).

O segundo quadro mental que obscurece a compreensão das circunstâncias do presente é a ideia difundida por Samuel Huntington, a partir dum artigo publicado numa influente revista norte-americana, a Foreign Affairs, em 1993, segundo o qual o conflito ideológico da Guerra Fria deu lugar ao “choque de civilizações”. Outro equívoco, com consequências de maior dimensão do que o “fim da história” de Fukuyama. De facto, a dinâmica internacional após o 11 de Setembro acabou por originar uma vulgata sobre o “choque de civilizações”, alimentada por alguns (que leram) e muitos (que não leram) o ensaio e o livro de Huntington, que marca o debate sobre política internacional, nos media, nos decisores políticos e no próprio discurso académico. O mais lamentável nas discussões tão emotivas quanto estéreis que decorrem em torno da existência, ou não existência, dum “choque de civilizações”, é a confusão habitualmente feita entre os conceitos de islamismo (uma ideologia política) e de Islão (uma cultura e religião). Aqui, o problema resulta, mais uma vez, do precário conhecimento que existe sobre os pensadores do islamismo radical (Sayyid Mawdudi, Sayyid Qutb, Hassan al-Banna, Ali Shariati, etc.), as suas principais ideias, os seus objectivos políticos específicos, os movimentos que perfilham essa ideologia, etc., que leva, erroneamente, a tomar a parte (a ideologia islamista) pelo todo (o Islão como cultura e religião). Paradoxalmente, este quadro mental distorcido influencia o modo de pensar, tanto dos partidários como dos críticos da tese de Huntington (estes últimos, com similar visão essencialista enraizada, desenvolveram a alternativa da “aliança de civilizações” – é o caso dos Primeiro-Ministros de Espanha e da Turquia, José Luís Zapatero e Recep Tayyip Erdogan), sendo particularmente conveniente para as estratégias dos movimentos islamistas. Isto porque estes procuram apresentar-se como o “verdadeiro” Islão, tentando abafar as correntes de pensamento e os movimentos políticos que se lhe opõem, dentro do próprio mundo islâmico. Assim, quando a Europa e o Ocidente olham monoliticamente para o Islão, denegrindo-o ou elogiando-o como um todo homogéneo, onde não há diversidade nem pluralidade, estão a entrar no jogo dos islamistas, com vantagem, naturalmente para estes. O corolário de todos estes equívocos – e da impreparação intelectual que lhes está subjacente – é a resposta norte-americana e europeia ao 11 de Setembro, configurada, de forma redutora, como “guerra ao terrorismo”. Historicamente, desde a Revolução Francesa e do período do “terror”, onde a expressão surgiu pela primeira vez, este sempre foi um meio, entre vários outros (e não um fim), para atingir objectivos políticos. Neste aspecto, a Al-Qaeda e outros grupos islamistas radicais não divergem deste padrão histórico. Por isso, o desafio é mais complexo e vem duma ideologia – onde o “terror” e as acções violentas (o chamado “jihadismo”) são apenas um meio extremo, adoptado pelos seus adeptos mais radicais –, e que, independentemente do que se possa pensar dela, tem conseguido mobilizar as massas e tem ambições universalistas similares às do liberalismo, do marxismo, ou do fascismo. O que está essencialmente em jogo é um confronto intelectual e ideológico, crucial para as democracias liberais, tal como são entendidas na Europa e no Ocidente. A vulgata do “choque de civilizações” e o seu mais recente antídoto, ainda que bem intencionado – a “aliança de civilizações” –, obscurecem a compreensão do mundo de hoje.
JPTF 2007/01/09

janeiro 08, 2007

Livro “A Queda de Roma e o Fim da Civilização”, de Bryan Ward-Perkins (trad. port. de Inês Castro), Lisboa, Alêtheia Editores, 2006



O livro do historiador e arqueólogo Bryan Ward-Perkins, professor da Universidade de Oxford, traz-nos uma interpretação estimulante e sustentada sobre o fim do Império Romano, baseada num trabalho arqueológico efectuado essencialmente sobre peças de cerâmica. O uso da investigação arqueológica e dos métodos científicos de datação, dá solidez à sua tese principal sobre a queda de Roma e da civilização (palavra que este usa, deliberadamente, em contra-corrente com a actual preferência histórico-antropológica pelo conceito nivelador e asséptico de «cultura»). Nas suas próprias palavras (p. 244), “o fim do Ocidente romano foi testemunha de horrores e perturbações que espero nunca viver; e destruiu uma civilização complexa, atirando os habitantes do Ocidente de volta a um padrão de vida típico da época pré-histórica”.

Ward-Perkins levanta também questões profundas sobre a investigação histórica, a produção de ideias sobre o passado e a sua interacção com as ideologias do presente. Neste contexto, particularmente interessantes são os exemplos que este dá sobre a maneira como o passado tende a ser reinterpretado, à luz dos acontecimentos presente. Um dos exemplos é sobre a Alemanha (pag. 230): “Existe inevitavelmente uma estreita relação entre a forma como vemos o nosso mundo e a forma como interpretamos o passado. Por exemplo, existe uma certa ligação entre as interpretações dos invasores germânicos como principalmente pacíficos e o sucesso notável (e merecido) que a Alemanha moderna alcançou. Mais à frente, surge outro exemplo, agora sobre a nova historiografia promovida pela União Europeia (pag. 232): “A União Europeia precisa de forjar um espírito de cooperação entre as outrora nações guerreiras do continente [...] Nesta nova concepção do fim do mundo antigo, o Império Romano não é «assassinado» por invasores germânicos; pelo contrário, romanos e germânicos transportam juntos muito do que era romano, para um novo mundo romano-germânico. A Europa «latina» e «germânica» está em paz”.

Por tudo isto, é um livro importante para todos os que, sendo ou não historiadores, se interessam pela Antiguidade Clássica e pelo fim do Império Romano. Mas é também uma leitura que obriga a reflectir e a adquirir consciência crítica sobre a interpretação «histórica» do passado, feita à luz das ideias e ideologias do presente, nem sempre de forma inconsciente ou desinteressada das políticas actuais.
JPTF 8/01/2007

janeiro 07, 2007

Colóquio “A União Europeia e a Questão do Oriente: o Alargamento aos Balcãs e à Turquia”

Almedina ArrábidaShopping, 12 de Janeiro, 21h30m

CICLO DE POLÍTICA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS
O TEATRO DO MUNDO

Coordenador:
José Pedro Teixeira Fernandes


Intervenientes:
Milan Rados, Universidade do Porto
Teresa Cierco, Universidade Lusíada
Pedro Caldeira Rodrigues, Jornalista