outubro 13, 2007

Comentário: A Presidência Portuguesa da UE e a questão de Chipre


É um lugar comum, quando se fala da União Europeia (UE), qualificá-la como «gigante económico e anão político». Em causa está a sua escassa influência nas grandes questões internacionais e a dificuldade em projectar uma influência diplomática similar não só à das grandes potências mundiais, como os EUA, mas também da re-emergente Rússia e provavelmente até à das crescentemente importantes China e Índia, sobretudo da primeira. As razões apontadas são normalmente que, no domínio económico, há uma elevada integração e partilha de soberania, enquanto no domínio político funcionam mecanismos de cooperação intergovernamental ineficazes, os quais não permitem à UE «falar a uma só voz» na cena mundial. Foi aliás este um dos argumentos mais usados para justificar a necessidade de uma Constituição Europeia, surgindo agora para justificar o Tratado Europeu, actualmente em negociações sob a presidência portuguesa. Este ênfase usual no argumento institucional esconde, todavia, debilidades mais profundas da UE, que vão para além da questão da reforma Tratados. Talvez a situação mais evidenciadora essa debilidade seja a questão de Chipre que, desde 2004, é um Estado-membro da UE. No imaginário europeu parece inconcebível uma força de manutenção de paz das Nações Unidas para resolver um conflito dentro da União. Todavia, essa situação existe! Em território europeu encontra-se a mais antiga força de manutenção de paz das Nações Unidas, a UNFICYP, criada originalmente em 1964, pela Resolução nº 186 do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Uma interrogação ocorre: como ser um actor de primeira grandeza em questões internacionais importantes como, por exemplo, o programa nuclear iraniano, o conflito no Darfur ou a repressão na Birmânia, quando, «dentro de casa», se deixam transparecer óbvias dificuldades político-diplomáticas? Mais: aceitariam os EUA, a Rússia ou a China forças de manutenção de paz das Nações Unidas no seu território? (Imagine-se a sua credibilidade internacional no dia em que o fizerem...). Aparentemente, esta questão não preocupa a presidência portuguesa – está longe das nossas áreas tradicionais de interesse e é um problema espinhoso... –, que prefere ficar com o seu nome ligado a um Tratado (não referendável, claro) e alimentar sonhos de influência pós-colonial em África. Mas, independentemente das prioridades da agenda política, a persistência da divisão e presença militar turca do Norte de Chipre mostra os limites do soft power europeu. A República Turca do Norte de Chipre (RTNC) é um Estado não reconhecido a nível internacional (excepto pela Turquia), declarado ilegal pelas resoluções nº 541 (1983) e 550 (1984) do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Só a República de Chipre é reconhecida a nível internacional e tem soberania legal sobre todo o território (de facto, não controla a parte Norte). A RTNC alberga entre 35.000 a 43.000 soldados da Turquia, numa área com cerca de 3.300 km2 e uma população de 200.000 a 250.000 habitantes (entre cipriotas turcos de origem e emigrantes/colonos turcos). Para o governo turco trata-se de uma «operação humanitária» e de um problema do foro das Nações Unidas. À UE convém acreditar pela sua incapacidade em lidar com o assunto. Mesmo aceitando esta qualificação inapropriada é notório que há um número desproporcionado de tropas. No caso da Bósnia-Herzegovina (com 51.129 Km2 e 4,5 milhões de habitantes), existe uma força humanitária – a SFOR – hoje com 12.000 efectivos. No caso do Afeganistão, um país com 647.500 km2 e 32 milhões de habitantes, a ISAF tem um total de 31.000 efectivos. Questão final: qual a credibilidade internacional da UE se, num território que é da República de Chipre e também europeu, um país candidato – a Turquia –, se sente «obrigada» a manter uma «força de manutenção de paz»? Será que isto se resolve com piedosas declarações de apoio à adesão da Turquia, como parece ser a panaceia da diplomacia portuguesa?
JPTF 2007/10/12

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