fevereiro 08, 2007
Livro “Selling Illusions: The Cult of Multiculturalism in Canada” de Neil Bissoondath, Toronto, Penguin Books, 2002
“Vendendo Ilusões” é um livro da autoria do escritor e ensaísta canadiano, Neil Bissoondath – nascido em Trinidad e Tobago e de ascendência indiana –, sobre o que esta chama mordazmente o “culto do multiculturalismo no Canadá”. Tendo sido publicado pela primeira vez em 1994, ano em que se tornou um best-seller nesse país, foi reeditado em 2002. Apesar do tempo decorrido, são várias as razões que recomendam a sua leitura, ou re-leitura, e tornam o livro muito actual. O autor mostra facetas sociais e políticas pouco conhecidas no exterior e questiona aquelas que habitualmente são vistas como as virtudes do modelo canadiano. Na sua óptica, o multiculturalismo falha significativamente em matéria de cidadania e de integração social e económica de populações culturalmente diversas. Bissoondath faz uma crítica mordaz à principal imagem de marca do multiculturalismo oficial – os festivais de cultura que cada comunidade organiza com o apoio das autoridades multiculturais –, qualificando-os como representações estereotipadas e caricaturais dessas mesmas culturas. Mas o assunto pode ter contornos bem mais sérios do que os festivais de cultura. Como este refere (pp. 112-113), quando, no início dos anos 90, a Jugoslávia “começou o seu deslize inexorável para o horror, uma notícia da CBC relatava que um número estimado de 250 descendentes de emigrantes croatas, jovens com corpo robusto e mente sã, deixaram o país para pegar em armas em defesa da Croácia. A notícia levantava de imediato uma questão: como é que estes jovens se definiam a si próprios? Como croatas ou croatas-canadianos? Como canadianos de descendência croata, ou croatas nascidos no Canadá? E seria interessante saber que país escolheriam se um dia fossem obrigados a isso: a terra dos seus pais, pela qual escolheram lutar, ou a terra do seu nascimento, da qual escolheram partir?”. Em seguida, acrescenta a seguinte reflexão: “Lealdades divididas revelam uma alma dividida e uma alma dividida um país dividido. Estes jovens canadianos de descendência croata não estão sozinhos na sua lealdade adulterada ao Canadá. Outros também acham impossível efectuar um comprometimento sincero para com a nova terra, os novos ideais, a nova maneira de olhar a vida”. Já depois da publicação da segunda edição do livro de Bissoondath, ocorreu um episódio que vem dar ainda mais consistência às críticas às políticas multiculturais. Esse episódio foi a tentativa de criação de tribunais que aplicassem a Xária (Sharia) – a lei islâmica –, para as questões de família entre muçulmanos, na área de Toronto, liderada pelas organizações islamistas, durante os anos de 2004 e 2005, que afirmavam representar cerca de 1 milhão de muçulmanos do Canadá. Essa tentativa evidenciou bem a fragilidade do multiculturalismo e mostrou a “janela de oportunidade” que estas políticas representam para os movimentos que têm por objectivo a re-islamização do social e do político. Ironicamente, foi a uma suposta beneficiária das políticas multiculturais, a muçulmana canadiana, Homa Arjoman (uma advogada de origem iraniana, feminista e activista dos direitos humanos), que se deveu, em grande parte, o fracasso dos Tribunais Xária que a classe política e intelectual canadiana se preparava para aceitar, em nome da “celebração da diversidade”. Como salientou Homa Arjomand, “em nome do ‘respeito pelo multiculturalismo‘ e das vergonhosas ideias do relativismo cultural que deixam as pessoas sujeitas ao arbítrio da sua própria cultura, os Estados deixaram as portas amplamente abertas para as religiões e aderentes de antigas tradições promoverem escolas religiosas e centros; para legalizar casamentos arranjados e forçados; para segregar rapazes a raparigas com idades muito novas na escola, nos autocarros escolares e nos recreios; para impedir as raparigas de obterem iguais oportunidades em todos os aspectos das suas vidas; ver mas ignorar os homicídios de honra e muitas outras práticas… Todas estas práticas desumanas acontecem também no Ocidente”. Por tudo isto, percebe-se bem a aversão de Neil Bissondath (e Homa Arjomand) às políticas do multiculturalismo, que criam “canadianos com hífen” e não apenas “canadianos”, tendo, demasiadas vezes, um efeito oposto ao proclamado oficialmente: afastam as minorais da cultura dominante levando-as ao gueto cultural, o que lhes diminui drasticamente as possibilidades de integração e de sucesso económico e social. Uma experiência para reflectir, sobretudo nas sociedades europeias onde estas realidades são novas.
JPTF 2007/02/08
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