As eleições do passado domingo deram uma clara maioria absoluta ao AKP-Partido da Justiça e Desenvolvimento, do actual Primeiro-Ministro Erdogan. Este, todavia, ficou abaixo dos 2/3 de deputados necessários para eleger o Presidente da República no Parlamento (no futuro será provavelmente eleito por sufrágio universal directo) e alterar a Constituição. Contudo, um resultado desta dimensão representa também uma importante vitória do AKP, no braço de ferro com os militares e o establishment secularista. Paradoxalmente, apesar de ter passado de 34,3% dos votos nas eleições de 2002 para 46,5% nestas últimas, no novo Parlamento vai ter menos 23 deputados que no anterior (340, contra 363 em 2002)... A explicação é uma fasquia de 10% da Lei Eleitoral, a pensar nos partidos curdos, muito questionável do ponto de vista da democraticidade do sistema eleitoral, que impede formações políticas com votações inferiores de terem qualquer representação parlamentar. (Nas anteriores eleições, cerca de 45% dos votos expressos não elegeram qualquer deputado!) De forma engenhosa, o DTP-Partido da Sociedade Democrática, um partido étnico curdo, conseguiu eleger 24 deputados, tendo-se estes candidatado formalmente como independentes, contornando assim a fasquia eleitoral dos 10% (os curdos tiraram as devidas ilacções das eleições de 2002, onde com 6,2% da votação e mais de 2 milhões de votos, não elegeram qualquer deputado...). Outra nota importante vai para a reentrada do MHP-Partido da Acção Nacionalista, de Devlet Bahçeli no Parlamento, com 14,3% dos sufrágios (8,3% em 2002). Trata-se de um partido da direita, no passado mesmo de extrema direita, ligado a actividades de milícias para-militares (os «Lobos Cinzentos»), de perfil marcadamente nacionalista, que fez campanha a favor da intervenção militar turca no Norte do Iraque e contra a UE. Esta ascensão também não é propriamente um dos resultados mais tranquilizantes (aparentemente, O MHP está também disposto a viabilizar a eleição do candidato presidencial do AKP, Abdullah Gül, no novo Parlamento). Por último, um olhar sobre o mapa geográfico-eleitoral mostra que a excepção a esta vaga pro-islamista/conservadora/nacionalista – representada pelo CHP-Partido Republicano do Povo, um partido de tipo social-democrata originalmente fundado por Mustafa Kemal e cujo actual líder é Deniz Baykal –, que nestas eleições obteve 20,6% dos votos (19,4% em 2002), só surge residualmente vencedora nas cidades costeiras do Mediterrâneo e na parte geograficamente europeia (ocidental) da Turquia. Num país que afirma olhar para o Ocidente como modelo e ter como objectivo a adesão à UE, a geografia eleitoral tem um mapa curioso. Aparentemente, o secularismo kemalista (ou o que resta dele), está a ser varrido do imenso território da Anatólia por uma avassaladora vaga de transformação vinda do Oriente (culturalmente conservadora e ideologicamente «islamista-capitalista», prometendo mais Islão e mais prosperidade material da UE). Esta já chegou às portas da Turquia mediterrânica ocidental. Resta saber quando e onde irá parar.
JPTF 2007/07/25
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