No seu mais recente livro, O Inverno da Democracia, Guy Hermet (p. 116), faz uma interessante crítica à União Europeia e às sua estratégia de manipulação linguística da realidade: "Ao nível do nosso continente, a novilíngua [uma referência ao livro 1984 de George Orwell], mais sabiamente calculada é a da administração europeia de Bruxelas, que se agarrou sistematicamente à elaboração de um léxico respondendo às necessidades de uma integração económica orientada numa perspectiva liberal [...] Por outro lado, desde uma data mais recente, os funcionários da União empenharam-se a redigir um pequeno manual dirigido aos oficiais europeus, destinado a evitar toda a inconveniência politicamente incorrecta. Estes deverão, por exemplo, evitar falar de ‘terrorismo islâmico‘...". Este processo, aparentemente inocente, tem consequências negativas sobre a democracia, como este explicou numa entrevista dada ao Le Monde (26 de Outubro de 2007): "É preciso não esquecer que logos, em grego, significa quer palavra, quer razão. Assim, quando se cria confusão nas palavras, ‘desinstruem-se‘ as pessoas, e mina-se o espírito critico. Por exemplo, fico surpreendido – eu que sou muito pró-europeu – pelo vocabulário que destilam as instâncias comunitárias: fala-se de ‘governação‘ [ou governança] em vez de «governo», ou ainda de ‘ajustamentos sociais‘ para eufemizar o que conduz de facto ao desmantelamento do Estado-Providência. Em síntese, um léxico anestesiante que tende as despolitizar os problemas e a esconder o carácter conflitual da realidade. A consequência é um empobrecimento do pensamento. A verdadeira democracia reside na capacidade que o povo tem de efectuar escolhas. Por isso, ele deve ver aí com clareza. O importante é reencontrar esta capacidade de resistência que oferecem as palavras". Uma leitura estimulante para todos os portugueses e europeus neste dia da Europa. Ajuda a pensar a realidade para além de uma novilíngua empobrecedora, cujo sucesso se deve, em grande parte, ao papel acrítico dos media e um discurso político feito, cada vez mais, de slogans que ‘libertam‘ o cidadão do sofrimento de pensar e de fazer escolhas. O processo de negociação e ratificação do Tratado de Lisboa é o exemplo mais recente de como a União Europeia está a contribuir para o "inverno da democracia".
JPTF 2008/05/09
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