“Mais Europa”, “a Europa a uma só voz”, um “orçamento federal europeu”, eurobonds, uma “solução europeia para crise”! Qualquer português ouviu, num ou noutro contexto, tais frases, repetidas até à exaustão por políticos da esquerda à direita, pelo governo, pelos comentadores e especialistas que preenchem o espaço público e mediático. O consenso à volta da ideia da necessidade de “mais Europa” gera, no cidadão comum, o sentimento do país ter uma solução para crise e de estar imbuído de um europeísmo generoso – até estamos dispostos a abdicar na nossa soberania, se necessário para isso, pensa-se. Todavia, por qualquer razão estranha e incompreensível, a Europa não nos ouve. Esta “narrativa” tem o efeito reconfortante de deslocar a incapacidade de resolver a crise para o “outro”. Assim, os responsáveis pela ausência de solução, são, sem dúvida, os pérfidos alemães onde, sob a chanceler Angela Merkel, estão a ressurgir as ambições de liderarem sozinhos a Europa. Mas também os vaidosos franceses não estão isentos de culpas. O Presidente Nicolas Sarkozy tem as ambições dominadoras de um pequeno Napoleão. Nenhum se preocupa com a Europa.
Se reflectirmos um pouco sobre a actual atitude “europeísta” portuguesa e na demonização da liderança alemã e francesa, acusadas de só olharem para interesses nacionais, inevitavelmente temos de nos interrogar: de onde surgiram estes sentimentos europeístas tão vivos e o repúdio de quaisquer interesses nacionais? Não tem Portugal uma longuíssima tradição de Estado-nação com interesses próprios e de afirmação e ligações culturais extra-europeias (África, Brasil, etc.)? Não passou ao lado da fundação das Comunidades Europeias no pós-II Guerra Mundial, ao contrário da França e da Alemanha? Será que com adesão europeia em 1986 ficamos mais pró-europeus que alemães, franceses, holandeses, ou luxemburgueses e o mostramos, por repetir até à exaustão, a necessidade de “mais Europa” e de uma “solução europeia para crise” (quando estes mostram reservas ou até se afastam dessa via no actual contexto)? Obviamente que não. Só o discurso em circuito fechado que actualmente existe na sociedade portuguesa pode gerar tal ideia. Toda a longa história de Portugal a desmente. Desde a sua fundação, no século XII, a história do país é uma história de luta pela sua independência (soberania). Primeiro numa dupla frente, contra Castela e Leão, à qual sucedeu a Espanha unificada em finais do século XV, e, em paralelo, contra árabes/mouros a Sul. Depois, contra as tentativas de criação de um império europeu pela força, de que as invasões napoleónicas do início do século XIX, são o exemplo mais óbvio. A estas podíamos juntar a ambição germânica na primeira metade do século XX, ligada à I e II Guerra Mundiais. Todavia, há uma coisa que separa profundamente a actual geração de portugueses pós-adesão às Comunidades Europeias/União Europeia e as anteriores. Se, até aí, um dos grandes medos colectivos era perder a independência e deixar de ser um Estado soberano, nos últimos vinte e cinco anos este medo colectivo metamorfoseou-se. Hoje, paradoxalmente, o medo é ser europeu e independente, ser soberano do seu próprio destino, ter de escolher um caminho próprio.
A atitude de medo enraizada da sociedade portuguesa foi bem analisada pelo filósofo José Gil no pequeno e sugestivo ensaio “Portugal Hoje. O Medo de Existir” (2004). Todavia, em 2011, a expressão mais intensa desse medo existencial parece ser o referido medo de ser europeu e... soberano. Ter de tomar decisões económicas e políticas por si, de assumir as respectivas responsabilidades e consequências deixa a generalidade das elites portugueses e da população paralisadas. Imaginar que podemos ser europeus, estar na União Europeia, mas, ao mesmo tempo, ser diferente dos outros europeus, ter uma identidade e fazer escolhas próprias assumindo, também, os custos das nossas opções, parece um pesadelo. “Somos demasiado pequenos”. “Não estamos preparados para isso”. “Queremos é o bem-estar da Europa”! Assim, a única atitude possível é seguir entusiasticamente a “normalização” promovida pela burocracia de Bruxelas, dos graus de ensino ao tamanho das salsichas. Pouco importa que o resultado final possa até ser pior. Importa é fazermos o que a Europa com a qual "partilhamos" a soberania nos manda, tornando as eleições democráticas (ainda mais) inúteis. Sobretudo agora que estamos atolados de dívidas, temos de mostrar que somos “bons alunos”, melhores do que os outros que também caíram em desgraça (especialmente da Grécia) e apontar-lhes o dedo: “não somos como eles, nós até fazemos mais do que nos mandam”, “aumentamos ainda mais os impostos do que exigiram”! O acordo com o FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia, que a actual vulgata dos media chama a troika, “libertou” de facto o país do empecilho de ser um Estado soberano. Só ficou a dívida que insistem em chamar “soberana” e que nós, europeus convictos, queremos europeizar mas não nos deixam.