setembro 16, 2011

Federalismo europeu: uma solução para a crise?


Com a crise financeira iniciada em 2007/2008 a conhecer em 2011 uma nova fase de intensificação são frequentes as vozes que aparecem publicamente a sugerir a necessidade de “mais Europa” para a solucionar. Em Portugal, parece existir um consenso entre as principais forças políticas de que um aumento das competências da União Europeia, nomeadamente através da instituição de um governo económico e de um orçamento de tipo federal, seria um passo importante para a solução da crise que afecta gravemente as finanças públicas de vários Estados da zona Euro. Admitindo que o aumento e aprofundamento da integração europeia é, em si mesmo, positivo, importa, todavia, pensar como poderia ser implementada, em concreto, uma solução de governo económico europeu. Seria um modelo federal paritário, onde os Estados transfeririam soberania para instituições comuns – por exemplo, a Comissão – a qual, de forma equidistante face aos interesses nacionais, implementaria um orçamento e políticas comuns? Ou seria um modelo federal com primazia das grandes unidades políticas que compõem a União, nomeadamente da Alemanha e da França, cujas competências fulcrais seriam reservadas ao Conselho? Na realidade, defender “mais Europa” e uma solução governo económico europeu é bastante vago, como se antevê facilmente pelas questões formuladas. O aspecto chave está, por isso, naquilo que poderia ser a sua configuração concreta, e, sobretudo, em encontrar um desenho aceitável pelos actuais 27 Estados-membros. O problema é que a ideia de um governo económico europeu tem significados implícitos diferentes para os países do Sul e do Norte da União. Em países como Portugal (Grécia,  Espanha, etc.), tradicionais beneficiários líquidos do orçamento europeu, falar em “mais Europa” evoca imediatamente na mente dos políticos e cidadãos mais transferências financeiras para o país. Em vinte cinco anos de integração europeia, Portugal nunca se viu na posição de contribuinte líquido, nem é crível que no futuro discernível alguma vez ocupe essa posição. Por outros palavras, no nosso país quando se fala numa solução federal europeia, está implícita a ideia de uma União de transferências e de acesso às condições de financiamento nos mercados internacionais em condições similares à da Alemanha ou Holanda, através da emissão de obrigações europeias (eurobonds). Estes “sentimentos de europeísmo” despertados pela situação aflitiva das finanças e da economia portuguesa, não são convincentes aos olhos dos nossos parceiros europeus ricos. Vista a questão sob o prisma dos países do núcleo duro da zona Euro (Alemanha e França, mas também Holanda, Áustria e Finlândia), tradicionais contribuintes líquidos, um governo económico europeu e um orçamento europeu também poderão ser desejáveis para se atingir uma maior integração e contribuir para solucionar a crise. Todavia, embora a linguagem usada seja similar, “mais Europa” tem implícito um outro desenho concreto que não é o que referimos anteriormente. Um governo económico europeu seria algo próximo de um directório de potências, onde países como a Alemanha e a França, definiriam fundamentalmente o modelo e as regras do seu funcionamento. Este federalismo económico não é, por isso, sinónimo de reforço das transferências financeiras da União Europeia, nem de emissão de obrigações europeias, mas de adopção “compulsiva” de políticas económicas por todos os membros da zona Euro, segundo a visão perfilhada pelas potências directoras. Importa, por isso, ter consciência em Portugal de que uma solução de federalismo económico europeu, como saída para a crise, a ocorrer, não será provavelmente, na configuração de uma União de transferências e de mais solidariedade financeira como desejaríamos. Provavelmente será a instituição, ainda que dissimulada, de um directório de potências que define uma orientação “compulsiva” para todos os Estados. Esta situação ficou bem clara na recente visita do Primeiro-Ministro português à Alemanha, quando, ao lado da chanceler Angela Merkel, deixou cair os eurobonds, face à inaceitabilidade germânica dessa ideia. Assim, o irrealismo do discurso político dos partidos de poder sobre a necessidade de “mais Europa” acaba por gerar falsas expectativas de solução da grave crise nos cidadãos. No actual contexto económico e político, os únicos cenários que parecem realistas são os da evolução para um governo económico de um directório europeu, com a redução da soberania portuguesa a um nível próximo de zero; ou, em alternativa, um recuo (downgrade) em algumas áreas do mercado único que seriam transitoriamente “renacionalizadas” e uma eventual saída, ainda que temporária, da zona Euro. Se a Grécia entrar em incumprimento como parece ser cada vez mais provável, o dogma de que a integração não pode ter recuos vai cair com esta. Portugal tem grande probabilidade de ser arrastado no turbilhão. Impõe-se, por isso, não continuar iludir a realidade e começar já a preparação para estes dois cenários.

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