março 30, 2008

O que é o multiculturalismo? (como ideologia e política pública) - Parte III


1. É conhecida a apetência sociológica portuguesa pelos produtos importados, sejam eles banais bens de consumo, ou produtos culturais sofisticados. Esta apetência leva, não invulgarmente, a tentar reproduzir modelos de outros países que, frequentemente, são apenas conhecidos de forma parcial e nas suas facetas mais atractivas, e se auto-justificam pela autoridade que lhe é conferida pelo facto de terem origem num país mais desenvolvido, associada à novidade da sua introdução em Portugal. Aparentemente é isto que se está a passar na propensão para importar o multiculturalismo. Todavia, isto não é apenas uma questão de moda, ou de apreciar a diversidade dos sabores gastronómicos com origem em várias partes do mundo (como na série de selos lançada pela European Postal Organisation PostEurop, em 2005). Por isso, valeria a pena olhar com mais atenção para a experiência canadiana. Esta, pelas razões anteriormente apontadas, é um caso de (in)sucesso muito mais complexo e problemático do que normalmente é apresentado. Para além disso, convém não perder de vista que a experiência histórica do Canadá como Estado soberano, e a matriz sociológica da sua população, pouco ou nada têm a ver com a portuguesa. Aliás, o país até esteve à beira de uma secessão do Quebeque, rejeitada por uma margem de 1,6% em referendo, o que mostra bem a dificuldade e/ou sua (in)capacidade em formar canadianos.

2. Por último, a experiência de outros países com tradições em políticas multiculturais, como, por exemplo, o Reino Unido, a Holanda ou a Austrália, poderia de facto ajudar-nos. E ajudar-nos especialmente a não cometer os mesmos erros. Efectivamente, em ambos, a partir dos anos 60 e 70 do século XX, foram implementadas políticas multiculturais que, em graus variáveis, fracassaram na integração cultural e na formação de cidadãos oriundos de grupos minoritários e de outras culturas. Nesses países já se percebeu que a utopia multicultural contemporânea - a utopia que sucedeu à velha utopia da sociedade sem classes -, se pode transformar, em pouco tempo, num verdadeiro «drama multicultural» (a expressão é do sociólogo holandês Paul Scheffer). Assim, actualmente estão já numa fase de reversão das suas políticas, como mostra bem Christian Joppke no seu artigo A Retirada do Multiculturalismo do Estado Liberal. E nós, será que vamos continuar a não aprender com as experiências dos outros e a cair nos mesmos erros que estes cometeram há trinta ou quarenta anos atrás?

OBS: Texto baseado no artigo originalmente publicado na revista Atlântico nº 10 (2006): 37-39
JPTF 2008/04/01

O que é o multiculturalismo? (como ideologia e política pública) - Parte II


1. Deve a um sikh ser permitido conduzir sem capacete, por ser uma prática cultural do seu grupo o uso habitual do turbante? Deve uma muçulmana poder fazer a chamada «circuncisão feminina», por ser esta a sua tradição religiosa e familiar? Deve um hindu estar isento dos feriados religiosos (cristãos) dos países ocidentais, podendo abrir, por exemplo, as suas lojas comerciais em dias em que está proibida a sua abertura por motivo de celebrações religiosas do Cristianismo? Devem os curricula escolares ser alterados em disciplinas como a História e/ou a Literatura, para dar «voz aos que não têm voz» e aumentar a auto-estima dos grupos minoritários em detrimento do estudo dos clássicos Dead White Males como William Shakespeare, que reflectem a cultura «eurocêntrica» (anglo-saxónica) da maioria branca, protestante e masculina (WASP) ? Vistas a partir de Portugal estas questões são não só novas como podem até parecer um pouco bizarras e fazer-nos sorrir. Todavia, estas são controvérsias sérias e bem conhecidas não só do debate teórico , como do cidadão comum nos países onde o multiculturalismo não é apenas uma palavra fashion para políticos ou comentadores. É que aí os efeitos das suas políticas são uma realidade bem palpável no dia a dia. Quais são esses efeitos? Vejamos o caso do Canadá.

2. Muitos dos principais «cultores» do multiculturalismo são de facto canadianos. Desde o seu «pai político» nos anos 60 do século XX, o senador de origem ucraniana, Paul Yuzyk, até aquele que o Wall Street Journal já designou como sendo o guru global do multiculturalismo, Will Kymlicka. Todavia, este país é um caso particularmente curioso pois o entusiasmo das elites políticas e académicas pelo multiculturalismo esfria-se bastante quando se chega à população, que supostamente seria a grande beneficiária dessas políticas. É o que mostra um livro cáustico sobre culto do multiculturalismo no Canadá, da autoria de Neil Bissoondath, um canadiano nascido em Trinidad. Entre outros dados que contrariam o discurso oficial de sucesso, este refere que, num inquérito feito em meados dos anos 90, a maioria dos canadianos acreditava que o «mosaico multicultural» não estava a funcionar; por sua vez, mais de 70% afirmavam que as políticas multiculturais deveriam dar lugar a uma «absorção cultural» do género do melting pot dos EUA. Para este escritor cujo livro se tornou rapidamente num best-seller, tendo ganho o Montador Award de 1994, o multiculturalismo é uma espécie de novo apartheid que cria «canadianos com hífen» (afro-canadianos, muçulmano-canadianos, sino-canadianos, russo-canadianos hispano-canadianos, etc.) e não apenas «canadianos» tendo um efeito oposto ao proclamado oficialmente: afasta as minorais da cultura dominante levando-as ao ghetto cultural, o que lhes diminui as possibilidades de integração e de sucesso económico e social.

3. Ainda no Canadá, em 2004/2005 diversos movimentos conservadores e islamistas tentaram a criação de tribunais que aplicariam a Xária (Sharia) – a lei islâmica –, para as questões de família entre muçulmanos na área de Toronto (ver o filme Sharia in Canada, dirigido por Dominique Cardona e produzido pelo National Film Board of Canada). Essa tentativa evidenciou a fragilidade das políticas multiculturais canadianas e a ‘janela de oportunidade‘ que estas representam para os movimentos que têm por objectivo a (re)islamização da sociedade. Foi à enérgica acção de uma advogada canadiana, nascida no Irão, Homa Harjomand, activista dos direitos humanos e das mulheres que, em grande parte, se deve o fracasso dos ‘tribunais xária‘. Vale a pena destacar aqui um excerto da sua fortíssima reacção de indignação contra as políticas multiculturais e o relativismo cultural que as suporta, tão ao gosto das elites canadianas e ocidentais: «Em nome do ‘respeito pelo multiculturalismo‘ e das vergonhosas ideias do relativismo cultural que deixam as pessoas sujeitas ao arbítrio da sua própria cultura, os Estados deixaram as portas amplamente abertas para as religiões e aderentes de antigas tradições promoverem escolas religiosas e centros; para legalizar casamentos arranjados e forçados; para segregar rapazes a raparigas com idades muito novas na escola, nos autocarros escolares e nos recreios; para impedir as raparigas de obterem iguais oportunidades em todos os aspectos das suas vidas; ver mas ignorar os homicídios de honra e muitas outras práticas… Todas estas práticas desumanas acontecem também no Ocidente.»

OBS: Texto baseado no artigo originalmente publicado na revista Atlântico nº 10 (2006): 37-39
JPTF 31/03/2008

O que é o multiculturalismo? (como ideologia e política pública) - Parte I


1.
A palavra «multiculturalismo» é ambígua e tem pelo menos dois sentidos diferentes: i) um sentido descritivo, onde se refere a um facto da vida humana e social, exprimindo a diversidade cultural étnica, religiosa que se pode ver no tecido social, ou seja, um certo cosmopolitismo que actualmente é fácil de observar em qualquer grande cidade da Europa e da América do Norte; ii) um sentido prescritivo, onde designa as políticas de reconhecimento de identidade e de «cidadania diferenciada» que os poderes públicos devem pôr em prática, em nome dos grupos minoritários. Importa sublinhar que enquanto a maior parte da opinião pública, pelo menos em Portugal, interpreta o discurso do multiculturalismo no sentido descritivo do conceito, o que está em causa neste debate é essencialmente o sentido prescritivo do mesmo. Isto naturalmente leva-nos à questão das já referidas políticas de reconhecimento de identidade e/ou de «cidadania diferenciada», que os defensores do multiculturalismo sustentam como sendo a «boa» orientação política e fundamentam em princípios democráticos e em valores morais e de justiça social, argumentando com «casos de sucesso» como o do Canadá. Mas, visto que se trata de políticas públicas, que ideias e/ou ideologias prescrevem essas políticas? Para respondermos a este questão, vamos efectuar uma breve referência ao debate teórico sobre o multiculturalismo no universo cultural anglo-saxónico, e às «guerras de cultura» que este alimenta.

2. Se é claro que o multiculturalismo, como política pública, é um produto cultural que está associado, em graus variáveis, aos chamados países anglo-saxónicos (Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Reino Unido e EUA) – embora tenha também raízes noutros Estados como a Holanda – o que já é menos claro é saber como se chegou à ideia da necessidade de políticas públicas multiculturais, bem como saber quais são as concepções ideológicas que sustentam essas políticas. Na imensa literatura teórica que existe na América do Norte sobre este assunto, um dos poucos pontos consensuais é que o multiculturalismo – pelo menos na sua versão mais extrema –, é um produto daquilo que podemos designar como «marxismo cultural» por falta de uma designação mais rigorosa. De facto, na sua origem encontram-se os Estudos Culturais britânicos da «Escola de Birmingham», desenvolvidos a partir dos anos 50 do século XX, os quais têm duas grandes fontes de inspiração. Uma primeira está ligada aos trabalhos do revolucionário e fundador do Partido Comunista italiano dos anos 20 e 30, Antonio Gramsci. Nos seus «cadernos da prisão», Gramsci desenvolveu a ideia que as «inevitáveis» revoluções comunistas anunciadas por Karl Marx e Friedrich Engels não ocorreram devido à «hegemonia cultural» da burguesia, a qual levou a que as classes trabalhadoras e os oprimidos se identificassem com o seus valores impedindo a revolução. Então, impunha-se prosseguir uma nova estratégia: minar a hegemonia cultural burguesa, deslocando o combate (que já se anunciava perdido) do terreno da economia para o mais prometedor terreno da cultura. Não é por acaso que os neo-gramscianos procuram criar «trincheiras de resistência» nas disciplinas culturais (Estudos Culturais, Literatura, Antropologia, Sociologia, Comunicação Social, Ciências da Educação, etc.).

3. Mas uma outra fonte de inspiração alimenta também o multiculturalismo. Esta encontra-se nos trabalhos dos pensadores marxistas não-ortodoxos (ou seja, não alinhados pela doutrina oficial dos partidos comunistas de influência soviética) da chamada «Escola de Frankfurt» (Walter Benjamim, Theodor Adorno, etc.) e na sua crítica de índole cultural à sociedade capitalista. Esta linha teórica foi outra proveitosa fonte de inspiração para os Estudos Culturais britânicos e para muitas das posteriores inovações da teoria social. Actualmente são os continuadores destas linhas de pensamento – que agora não se auto-designam habitualmente como marxistas –, que pretendem justificar com a sua «autoridade científica» e promover junto dos decisores políticos estaduais a necessidade e as virtudes morais do multiculturalismo. Subjacente a esta argumentação, está, sobretudo, o argumento da impossível neutralidade do estado liberal face à diversidade cultural e a consequente opressão que resulta dessa impossibilidade de neutralidade cultural, para os diferentes grupos minoritários. Nesta visão, é lugar comum afirmar-se que «todas as culturas têm igual valor» merecendo por isso igual tratamento e respeito, não havendo, então, qualquer motivo para valorizar umas em detrimento das outras. Outra ideia em que assenta este argumentário é a da impossibilidade de uma verdade objectiva, de tipo transcultural, ou seja, de uma verdade comum às diferentes culturas. Como se pode já imaginar, esta ideia leva facilmente a um relativismo cultural extremo a que os seus defensores chamam a «incomensurabilidade» das diferentes culturas.

OBS: Texto baseado no artigo originalmente publicado na revista Atlântico nº 10 (2006): 37-39
JPTF 2008/03/30

Peça de teatro baseada nos ‘versículos satânicos‘ de Salman Rushdie estreia-se com receio de violência em Potsdam


Os ‘versículos satânicos‘, uma peça baseada no romance homónimo de Salman Rushdie, concebida por Uwe Eric Laufenberg e Marcus Mislin, estreia-se hoje no teatro Hans Otto de Potsdam. O actor turco Oktay Khan, que figurava no elenco inicial, teve de abandonar a representação após ter recebido ameaças que seria atacado. Salman Rushdie, que vive sob protecção policial desde 1989 devido a este livro, foi convidado para a estreia, desconhecendo-se se irá estar presente no teatro de Potsdam. Ver notícia no EL Pais e no Guardian.
JPTF 2008/03/30

março 29, 2008

Fitna, o filme: ‘nem hipérbole, nem metáfora mas repetição‘ in NRC Handelsblad, 28 de Março de 2008


Num curioso artigo assinado por Bas Blokker - crítico de cinema do prestigiado jornal holandês NRC Handelsblad -, é desmontada e analisada em detalhe a técnica cinematográfica usada pelo debutante Geert Wilders, para fazer passar a sua mensagem propagandística através do cinema. Bas Blokke analisa comparativamente o Fitna com outros filmes de teor propagandístico efectuados anteriormente, com intuitos muito diversos: desde os nazis aos soviéticos, passando pelos filmes publicitários e as suas técnicas repetitivas de imagem. Curiosa é a comparação efectuada com os igualmente propagandísticos Fahrenheit 9/11 de Michael Moore (que pretendia mostrar que George W. Bush é um idiota) e Uma Verdade Inconveniente, de Al Gore (que pretendia mostrar que estamos à beira de uma catástrofe ambiental). Uma boa leitura para os interessados em técnicas cinematográficas e de propaganda político-ideológica, que andam muito mais associadas do que os cinéfilos normalmente gostam de admitir. Ver artigo integral no NRC Handelsblad.
JPTF 2008/03/29

março 28, 2008

Fitna (divisão, discórdia), o filme ‘explosivo‘ do deputado holandês, Geert Wilders, lançado na Internet

"Fitna", o filme do deputado holandês de direita populista, Geert Wilders, do Partido da Liberdade que, antes de ser conhecido, já causava polémica pelas suas declarações anti-Islão, foi agora divulgado no site britânico Live Leak. Trata-se de uma curta metragem de 15 minutos, de tipo documental, que começa com imagens dos atentados do 11 de Setembro e de versículos do Corão (ver artigo da Radio Netherlands). Na óptica do mundo muçulmano, será que vai ser visto como uma provocação similar às caricaturas de Maomé do jornal Jyllands-Posten, em 2005?
JPTF 2008/03/28

março 27, 2008

Ivo Andrić, ‘A Ponte Sobre o Drina‘: um excelente romance histórico sobre os Balcãs do século XVI ao início do século XX


É ao escritor e diplomata jugoslavo, Ivo Andrić, prémio Nobel da Literatura em 1962, nascido no final do século 1892 em Dolac, perto de Travnik, na Bósnia, que se deve um excelente livro de ficção histórica A Ponte sobre o Drina, originalmente publicado em servo-croata em 1945 (só em finais de 2007 apareceu a tradução em língua portuguesa...). Nesta original obra de literatura, a narrativa ficcional, que decorre sobretudo à volta de pequenos episódios da vida quotidiana, liga-os a factos históricos marcantes da Bósnia e dos Balcãs. A imaginação literária de Ivo Andrić transformou a ponte sobre o Drina - situada na pequena cidade de Višegrad, na fronteira entre a Bósnia e a Sérvia, na actual Republika Sprska - , no fio condutor de uma curiosa narrativa. Esta acompanha a rica e conturbada história da região, e situa-se no período após a conquista otomana feita no século XV. O início ocorre no século seguinte com os trabalhos de construção da ponte - uma obra arquitectónica hoje considerada património mundial pela UNESCO -, mandada construir pelo vizir Mehmed Paša Sokolović a suas expensas. Esta construção simbolizava a ligação do vizir às suas origens: Sokolović tinha sido arrancado à sua família, quando era criança, ao abrigo do "imposto de sangue" (devşirme) a que os cristãos dos Balcãs estavam obrigados pelo poder otomano muçulmano. Após a construção da ponte os acontecimentos fluem ao longo dos séculos seguintes, até à chegada dos áustro-hungaros no ultimo quartel do século XIX (1878) e aos acontecimentos trágicos da I Guerra Mundial (1914-1918). Na origem do trabalho literário concebido por Ivo Andrić detecta-se não só a influência marcante da tradição oral e dos relatos históricos de cariz popular que se podiam encontrar na sua Bósnia nativa, como a turbulência dos acontecimentos políticos que marcaram toda a sua existência. Ao longo da sua vida, Andrić assistiu ao fim dos impérios que governavam a maioria dos Balcãs – o Império Otomano e o Império Austro-Húngaro – passou por duas guerras mundiais e conheceu três "nacionalidades": nasceu como súbdito da Áustria-Hungria até 1918; depois foi cidadão do Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos, mais tarde designado por Jugoslávia; quando, faleceu, em 1975, era cidadão da República Socialista Federal da Jugoslávia, (re)fundada por Josip Broz (Tito) no pós II-Guerra Mundial; se tivesse podido viver até finais do século XX, teria ainda tido uma quarta "identidade", devido à metamorfose regressiva dos jugoslavos em eslovenos, croatas, bósnios, macedónios, montenegrinos, sérvios, kosovares etc., a partir de 1991.
JPTF 2008/03/27

março 25, 2008

A assimilação dos turcos (na Alemanha) é... ‘crime contra humanidade‘ e a assimilação dos curdos (na Turquia) é ...?


O líder dos conservadores-islamistas do AKP e Primeiro-Ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdoğan, faz, não invulgarmente, declarações públicas pouco usuais para um país candidato à adesão à UE. No passado mês de Fevereiro pronunciou-se sobre o problema da (não) integração dos turcos na sociedade germânica. Ao discursar perante cerca de 20.000 turcos e turco-descentes em Colónia, terá firmado que a assimilação é um ‘crime contra humanidade‘. Uma dúvida ocorre: pelo critério de Erdoğan, a política face aos curdos (‘turcos da montanha‘), prosseguida pelo seu próprio governo na Turquia é o quê ...? Adivinhem, que não é difícil.
JPTF 2008/03/25

março 24, 2008

Tibete: cartoon de Herrmann no jornal Tribune de Genève

"Hoje somos (quase) todos vítimas!" de David G. Green, Londres, Civitas, 2006


Os valores da democracia liberal estão a ser substituídos por uma cultura de "vitimocracia" no Reino Unido (sobre a expansão de similar culto na América do Norte, ver o artigo crítico de Edward W. Younkins, Multiculturalism: the Rejection of Truth and Reason). Para David Green da Civitas - The Institute for the Sudy of Civil Society, os britânicos estão a transformar-se numa "nação de vítimas", o que não deixa de ter a sua ironia, se pensarmos que ainda há menos de um século atrás eram o maior poder imperial e colonial mundial. Hoje, a soma de todos os grupos oficialmente protegidos, por serem considerados vítimas, atinge 73% da população. Alguns grupos reclamam ainda serem vítimas de múltiplas discriminações, pelo que, se as suas reivindicações fossem levadas a sério, cerca de 109% da população teria de ter o estatuto de vítima.... Para além da questão do reconhecimento da identidade, há vantagens políticas e materiais que tornam o status de "oprimido" particularmente apetecido: tratamento preferencial no mercado de trabalho, visibilidade na esfera pública e interferência no processo legislativo, compensações financeiras, e até maior facilidade de uso da polícia e do sistema judicial para silenciar as críticas mais inconvenientes. No país de John Locke e Adam Smith, a nova vitimocracia grupal está a substituir as velhas ideias liberais da autonomia e responsabilidade moral do indivíduo, que era visto como independente do grupo. Agora, o indivíduo já não é visto como um detentor de soberania moral, mas como alguém possuidor de uma característica quase "genética" (de vítima), que acompanha inexoravelmente os membros do grupo a que pertence. O sistema legal e judicial começa também a reflectir os valores da vitimocracia, afastando-se da antiga ideia da igualdade perante a lei de todos os cidadãos (por exemplo, um crime contra um membro de um grupo identificado como vítima é mais grave do que o mesmo crime contra um cidadão comum...). Resta-nos ficar à espera que estas ideias "evoluídas" sejam também copiadas em Portugal, onde a construção de uma vitimocracia pós-moderna está ainda muito atrasada.
JPTF 2008/03/24

março 21, 2008

"O Islão será a primeira religião em Bruxelas num espaço de 20 anos?" in Le Figaro

A capital europeia será muçulmana num espaço de vinte anos. É pelo menos este um cenário antecipado a semana passada pelo jornal La Libre Belgique. Actualmente, cerca de um terço da actual população de Bruxelas já é muçulmana como faz notar Olivier Servais, professor de Sociologia e Antropologia das Religiões na Universidade Católica de Lovaina. O cenário antecipado por este é que os praticantes do Islão poderão tornar-se maioritários, num espaço de duas décadas, por razões ligadas à sua forte natalidade e a uma crescente prática religiosa (e radicalização política) das gerações mais novas. Sintomático é também que, desde 2001, o nome de Maomé tem sido o mais frequentemente dado aos rapazes nascidos em Bruxelas. Ver artigo integral do jornal Le Figaro.
JPTF 2008/03/21

março 20, 2008

"Quando os Estilos de Vida Colidem", livro de Paul M. Sniderman e Louk Hagendoorn, Imprensa da Universidade de Princeton, 2007


Paul M. Sniderman e Louk Hagendoorn efectuaram um importante estudo de caso sobre a experiência multicultural mais ambiciosa da Europa: a da Holanda. Pelas razões que veremos já em seguida, o livro poderia também ter como sub-título: "o fracasso da utopia multicultural holandesa". Importa começar por notar que as conclusões dos autores são baseadas numa investigação empírica iniciada em 1998 na sociedade holandesa, não tendo qualquer ligação directa com os acontecimentos de 11 de Setembro. No cerne do livro está a maneira como a ideologia e políticas multiculturais, que marcaram a sociedade holandesa a partir dos anos 60 - e se basearam em promessas de ‘progressivismo‘ social, que eliminaria o preconceito e promoveria o reconhecimento igualitário das diferentes culturas -, é vista pelo indivíduo comum. Para além disso, são analisados os resultados das políticas multiculturais, que em muitos aspectos, acabaram por ser o oposto do pretendido. Por exemplo, no caso dos muçulmanos que emigraram para a Holanda, os resultados das políticas multiculturais foram, frequentemente e de forma paradoxal, o de preservar e promover algumas das práticas mais iliberais e conservadoras existentes nas áreas mais sub-desenvolvidas dos países de origem dos emigrantes. Ainda que involuntariamente, as políticas multiculturais legitimaram comportamentos arcaicos e práticas tradicionais de discriminação das mulheres e crianças, bem como a separação dos sexos na esfera pública. Em vez de uma integração na sociedade de acolhimento acabou por ser estimulado um crescente apartheid social, ao subsidiarem, por exemplo, a educação em escolas religiosas separadas do resto da sociedade. O estudo mostra também como multiculturalismo na Holanda nunca foi o resultado de qualquer pressão da generalidade da sociedade para a adopção dessas políticas. Pelo contrário, teve sempre, e tem hoje mais do que nunca, um grau de descontentes (muito) significativo. O seu impulso resultou de uma pretensão das elites educarem e "iluminarem" as massas, algo extremamente questionável numa sociedade democrática, baseada no princípio da soberania popular.
JPTF 2008/03/20

Mensagem atribuída a Bin Laden ameaça a Europa pela (re)publicação dos cartoons do Jyllands-Posten

março 19, 2008

Os sermões agressivos de Jeremiah Wright, o pastor de Barack Obama

A tecnologia une e a cultura divide? O diferente uso dos telemóveis pelos jovens ocidentais e muçulmanos

A mesma tecnologia, dois usos culturalmente diferentes. Nas sociedades ocidentais, o telemóvel tornou-se um instrumento de culto da irreverência juvenil, explorado até à exaustão pelas marcas. O seu uso tem vindo a acentuar o lado hedonista e materialista da cultura ocidental. Os jovens usam-no crescentemente para trocar SMS e falar com os amigos(as), namorar, marcar encontros, jogar jogos, ouvir música, tirar fotografias, descarregar toques polifónicos e imagens sexy, "destruir tabus" sexuais, navegar na internet em sites apropriados ou inapropriados para a sua idade ...

No caso dos jovens muçulmanos, o telemóvel também é um instrumento particularmente apetecível. O seu uso está igualmente a acentuar facetas marcantes da cultura muçulmana, como, por exemplo, o revivalismo da Sharia islâmica. Esta surge agora como um estilo de vida "alternativo" e "irreverente", contra a nova jahiliyya (ignorância) das materialistas e hedonistas sociedades ocidentais. Assim, em vez de música rock ou imagens sexy, aos jovens muçulmanos é proposto descarregar os hadith (ahadith no plural), as tradições relativas às acções e ditos do Profeta Maomé...
JPTF 2008/03/18

Agitação continua no Kosovo, com sinais de crescente partição de facto entre albanese e sérvios


Os confrontos ocorridos no Norte do Kosovo (Mitrovica) na passada segunda-feira, entre a população sérvia e as forças das Nações Unidas, provocaram um morto e vários feridos. Entretanto, as tropas da KFOR lideradas pela NATO assumiram o comando na região, mas não parece haver fim à vista para a escalada de agitação e violência. A paz foi restaurada em Mitrovica mas é enganadora quanto à situação no terreno. Há receios que a conflitualidade e a violência - desencadeadas à seguir à declaração unilateral de independência do Kosovo, a 17 de Fevereiro -, possam continuar no longo prazo. É o que mostram os acontecimentos desta segunda-feira. Durante várias horas, a cidade de Mitrovica, dividida entre albaneses e sérvios, pareceu estar em estado de guerra, com a explosão de granadas, o lançamento de gases lacrimógeneos, o rebentamento de cocktails Molotov e o disparo de tiros. Ver relato sobre a situação no terreno e a estratégia sérvia para lidar com a independência do Kosovo na Der Spiegel.
JPTF 2008/03/19

‘Diversidade‘ (Sharia) na Universidade de Harvard: ginásio bane homens durante seis horas para uso por mulheres muçulmanas

março 18, 2008

Quem está a islamizar a vida diária na Turquia?


O jornalista turco Mehmet Ali Birand escreveu um interessante artigo onde analisa quem está por detrás da crescente islamização da vida diária na Turquia. Na esfera pública, Emine Erdoğan, mulher do líder do AKP e actual Primeiro-Ministro, é um bom exemplo da ascensão do look islâmico (ao lado, capa da biografia publicada por Ayla Özcan). A esta junta-se agora mulher do actual Presidente da República eleito pelo AKP, Abdullah Gül, também uma adepta do véu islâmico, que agora predomina nas recepções oficiais. Mehmet Ali Birand constata que há uma cada vez maior tendência islamizadora, que se observa em pequenas coisas do dia a dia, como a recitação do Corão nas conversas correntes, o uso de uma linguagem com recurso frequente a palavras em árabe, o hábito de se referir o Corão quando se faz alguma afirmação, o número de "provérbios islâmicos" que recheiam a linguagem, a mudança do vestuário das mulheres, a substituição de bebidas alcoólicas por sumo de laranja, a recusa de apertar as mãos das mulheres, o cumprimento dos outros com a mão no coração, a crescentemente frequente separação das mulheres dos homens, etc… Ver artigo integral no Turkish Daily News.
JPTF 2008/03/18

março 17, 2008

Pedida a interdição judicial dos islamistas-conservadores do AKP, o partido do poder na Turquia


O partido islamista-conservador no poder na Turquia foi confrontado com graves acusações de um procurador que pede que seja dissolvido por actividades contra o secularismo e a democracia, enquanto que o seu chefe, o Primeiro-Ministro Recep Tayyip Erdoğan, denunciou a acção interposta contra o seu partido. Na passada sexta-feira, o procurador Abdurrahman Yalçinkaya depositou junto do Tribunal Constitucional um texto de acusação de 162 páginas pedindo a interdição do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP). Este partido, saído do movimento islamista, é acusado de, a prazo, pretender transformar o país num Estado islâmico e de destruir o sistema democrático. Ver notícia integral da Agência France-Presse.
JPTF 2008/03/18

"A NATO responderá com ‘firmeza‘ à violência no Kosovo" in El Pais


A NATO afirma que responderá com firmeza aos actos de violência que abalaram hoje as suas tropas e as das Nações Unidas (ONU) em Mitrovica, depois de manifestantes sérvios contra a independência de Kosovo terem obrigado a polícia da ONU a retirar-se da zona, povoada maioritariamente por sérvios. Os sérvio kosovares, que ontem à noite ocuparam de novo o principal tribunal da ONU em Mitrovica, enfrentaram esta manhã, de forma contundente, e apoiados por centenas de manifestantes, os soldados da Missão da ONU no Kosovo (MINUK) e da força de paz da NATO (KFOR). Ver notícia do El Pais.
JPTF 2008/03/17

"O primeiro bombista-suicida alemão no Afeganistão?" in Der Spiegel


Um jovem alemão de ascendência turca poderá ter efectuado um ataque no Afeganistão que matou dois soldados norte-americanos. A União da Jihad Islâmica afirma que que Cüneyt C., de 28 anos de idade, proveniente da Baviera, foi responsável pelo ataque efectuado a 3 de Março. Agora, as autoridades germânicas estão desesperadamente a tentar confirmar a identidade do bombista suicida. A confirmar-se a veracidade desta informação será o primeiro caso de um bombista suicida alemão. Ver texto integral na edição internacional da Der Spiegel.
JPTF 2008/03/17

março 15, 2008

"Os novos colonialistas" in The Economist


Não há exagero no crescente apetite da China por matérias-primas e bens alimentares. O país tem cerca de um quinto da população mundial, mas consome mais de metade da carne de porco a mundial, metade do cimento, um terço do aço e mais de um quarto do alumínio. Está a gastar 35 vezes mais em importações de soja e de petróleo do que em 1999 e a 23 vezes mais na importação de cobre. De facto, a China terá absorvido mais de 4/5 do aumento do fornecimento de cobre desde 2000. O problema é que o apetite da China não parece parar. Ver artigo integral na revista The Economist.
JPTF 2008/08/15

março 14, 2008

Cartoon de Peter Brookes no jornal Times

"União Europeia arrisca-se a fracassos nos Balcãs" in BE92, 14 de Março de 2008


In an analysis about the crisis in the Balkans, the agency says that the worst-case scenario for EU policymakers would include Macedonian refusal to change its name and Greece blocking its bid for NATO membership; Kosovo partitioned de facto between Albanians and Serbs and becoming another frozen conflict; Serbia turning its back on the EU and electing a nationalist government.

"This worst-case scenario could be reality by the summer," said Gerald Knaus, a Balkans analyst and president of the European Stability Initiative think tank.

In a drive to avoid that outcome, EU and United Nations officials are using the tools at their disposal, the article says, "diplomacy, money for regional cooperation projects, the prospect of visa-free travel and the power of emulation of the most advanced former Yugoslav republics".

EU Enlargement Commissioner Olli Rehn said this week he hoped every Western Balkan country would make progress on the road to European integration this year.

Slovenia, the only former Yugoslav republic to join the EU so far, has invited foreign ministers from all the Western Balkans countries to join their 27 EU counterparts to discuss closer ties at an informal meeting later this month.

There is optimism in Brussels that Croatia may overcome its fishing zone dispute with Italy and Slovenia, and that Macedonia will solve the name dispute with Greece in time for the NATO summit in early April.

"Bosnia could sign a first agreement on closer ties with the EU next month provided parliament adopts a police reform law, and Serbia could do the same if pro-European forces win a parliamentary election due in May," Reuters continues with the optimistic scenario, which includes closer ties with Montenegro.

"But Balkan analysts fear Brussels may be indulging in wishful thinking and point to the risk of contagion from the Kosovo conflict," it also adds.

"We have to deal with the option that the EU's transformative power doesn't work for all. There may be political elites who are not in a rush to hasten the process of European integration," said Jacques Rupnik, a Balkans expert at France's Institute of Political Science.

"While EU and NATO officials are relieved there has been little violence since Kosovo seceded from Serbia on February 17 and threats of economic sanctions or an energy cut-off have not materialized, they are worried at signs of a soft partition," the analysis continues.

EU officials speaking to Reuters on condition of anonymity acknowledge the risk of a split between a Serb "UNMIK-land" from which the EU is barred and an EU-supervised, independent Albanian Kosovo - with no prospect of a handover from UNMIK to EU supervision because Russia would block it at the United Nations.

"While more than half the 27 EU member states have recognized Kosovo, wider international acceptance has been slow and some EU officials fear Latin American states may follow Spain's lead in refusing recognition without a UN Security Council resolution," the article says, and continues:

"The EU's biggest concern, and the one over which it may have the least influence, is the prospect that embittered Serbs, alienated by EU backing for Kosovo's secession, could vote for hardline nationalists in May."

Although Boris Tadić, described as pro-European, narrowly won over Tomislav Nikolić, seen as "radical nationalist", "relations have since deteriorated over Kosovo".

Senior EU officials and foreign ministers have been told they would not be welcome for now in Belgrade, French Foreign Minister Bernard Kouchner said this week.

"That leaves the EU with few levers to influence the vote, especially as the Dutch and Belgians continue to block the signing of an agreement with Serbia until it makes progress on handing over war crimes indictees," Reuters says.

"You can't push on a rope," one senior EU policymaker was quoted, warning that "another attempt to micromanage Serbian politics could backfire on Brussels".
http://xs4.b92.net/eng/news/politics-article.php?yyyy=2008&mm=03&dd=14&nav_id=48438
JPTF 2008/03/14

março 12, 2008

"Hamas admite que os seus combatentes são treinados no Irão" in Times, 9 de Março de 2008


THE Palestinian group Hamas, blamed for last week’s massacre of eight students at a Jewish seminary in Jerusalem, has revealed that hundreds of its fighters have been trained in Iran. A senior commander interviewed by The Sunday Times said 300 of the group’s “best brains” had been secretly sent to Tehran. Half are still being trained by Revolutionary Guards. They are learning how to make explosives from everyday items and produce deadlier rockets. The rest have already returned from a Revolutionary Guard base in Tehran. Some have been trained as snipers. Others have learnt to use tunnels in attacks on Israeli forces. “Iran is our mother,” the commander said. “She gives us information, military supplies and financial support.” Seven separate groups of Hamas militants have spent up to six months in Tehran since the training began in 2005. The scale of Iran’s operation exceeds Israeli intelligence suspicions that Hamas had dispatched “tens” of fighters to Tehran. Yuval Diskin, the head of Shin Bet, the Israeli internal security service, said last week: “I see this as the strategic danger, more than any weapons smuggled into Gaza.” Israeli officials believe that Iran is waging a “proxy war” against their country on two fronts – through Hamas in Gaza and Hezbollah in Lebanon. The Hamas commander said Iranian-trained instructors had also taught more than 700 fighters at a base in Syria.
http://www.timesonline.co.uk/tol/news/world/middle_east/article3512018.ece
JPTF 2008/03/12

março 08, 2008

A ONU contra os Direitos do Homem


L' année 2008 verra-t-elle simultanément le soixantième anniversaire de la Déclaration universelle des droits de l'homme par l'ONU et la destruction de ses principes par la même ONU ? Tout porte à le redouter, tant depuis un certain nombre d'années, par ses dérives, l'ONU s'est caricaturée.

A Durban, en Afrique du Sud, s'est tenue en 2001 la Conférence mondiale contre le racisme, à l'initiative des Nations unies, dans la ville même où Gandhi avait commencé à exercer son métier d'avocat. C'est au nom des droits des peuples que furent scandés des "mort à l'Amérique !" et "mort à Israël !" ; et c'est au nom du relativisme culturel qu'on fit silence sur les discriminations et violences commises contre les femmes.

Alarmée par les graves dysfonctionnements ainsi mis en lumière au sein de sa Commission des droits de l'homme, l'ONU inaugurait en juin 2006 un tout nouveau Conseil des droits de l'homme (CDH), censé remédier à de si préoccupantes dérives. Aujourd'hui, le constat est plus qu'amer : c'est à la consécration même de ces dérives que nous assistons dans la perspective du forum dit de Durban 2, qui se tiendra en 2009. Plus gravement encore, l'élaboration officielle de nouvelles normes marquera, si celles-ci sont gravées dans le marbre d'une nouvelle et très particulière "déclaration des droits de l'homme", la mise à mort de l'universalité des droits.

Par sa mécanique interne, les coalitions et les alliances qui s'y constituent, les discours qui s'y tiennent, les textes qui s'y négocient et la terminologie utilisée anéantissent la liberté d'expression, légitiment l'oppression des femmes et stigmatisent les démocraties occidentales.

Le CDH est devenu une machine de guerre idéologique à l'encontre de ses principes fondateurs. Ignorée des grands médias, jour après jour, session après session, résolution après résolution, une rhétorique politique est forgée pour légitimer les passages à l'acte et les violences de demain.

Une triple alliance composée de la Conférence des organisations islamiques (OCI), représentée jusqu'à ce jour par le Pakistan, du Mouvement des non-alignés, où Cuba, le Venezuela et l'Iran ont un rôle central, et de la Chine - avec la complaisance cynique de la Russie - oeuvre ainsi à la mise en place d'une véritable révolution prétendument "multiculturelle". Ainsi, le rapporteur spécial de l'ONU sur les formes contemporaines de racisme, Doudou Diène, déclare d'ores et déjà qu'énoncer une critique contre le port de la burqa constitue une agression raciste, que la laïcité est ancrée dans une culture esclavagiste et colonialiste et que la loi française contre le port des signes religieux à l'école participe du racisme antimusulman, renommé "islamophobie occidentale".

La confusion des esprits est à son comble quand est dénoncée comme une attitude raciste toute critique de la religion. C'est une menace radicale contre la liberté de penser qui est en train d'être cautionnée par l'ONU. En assimilant au racisme toute critique des dérives de ceux qui parlent au nom de l'islam, parce que supposée relever d'attitudes néocolonialistes, les porte-parole de cette nouvelle alliance serrent un peu plus le garrot qu'ils ont passé au cou de leurs propres peuples et sapent les fondements d'une civilité très chèrement acquise en Europe depuis les guerres de religion. En septembre 2007, la haut-commissaire aux droits de l'homme, Louise Arbour, participait à une conférence à Téhéran consacrée aux "droits de l'homme et (à) la diversité culturelle". Portant le voile, comme la loi de la République islamique l'exige, la haut-commissaire a été le témoin passif de l'énoncé des principes à venir, ainsi résumés : "offense aux valeurs religieuses considérée comme raciste".

Bien pire, dès le lendemain de cette visite, vingt et un Iraniens, dont plusieurs mineurs, furent pendus en public. C'est en sa présence que le président Ahmadinejad a renouvelé son appel à la destruction d'Israël, pays membre de l'ONU, créé par cette dernière. Interrogée sur son silence, la haut-commissaire a justifié sa passivité par le respect de la loi iranienne, auquel, en tant que juriste, elle s'estimait tenue, et par souci de "ne pas offenser ses hôtes". Charbonnier est maître chez soi... C'est le docteur Goebbels qui utilisait cet argument d'opportunité, à la tribune de la Société des nations en 1933, pour se soustraire à toute critique d'une institution internationale impuissante, mais dont les principes n'étaient au moins pas dévoyés comme ceux de l'ONU aujourd'hui.

Les grands crimes politiques ont toujours eu besoin de mots pour se légitimer. La parole annonce le passage à l'acte. De Mein Kampf à Radio Mille Collines, de Staline à Pol Pot, les exemples abondent pour confirmer la nécessaire extermination de l'ennemi du peuple au nom de la race, au nom de l'émancipation des masses laborieuses ou au nom d'un ordre supposé divin. Les idéologies totalitaires avaient remplacé les religions. Leurs crimes, les promesses non tenues "d'avenir radieux" ont ouvert grande la porte au retour de Dieu en politique. Le 11 septembre 2001, quelques jours après la fin de la conférence de Durban, c'est bien au nom de Dieu que le plus grand crime terroriste de l'histoire fut commis.

Face à cette stratégie, les démocraties, d'abord soucieuses de leur balance commerciale, font preuve d'une extraordinaire passivité. Que pèse le sort du peuple tibétain face aux enjeux des exportations vers la Chine ? Quel est le prix de la liberté pour Ayaan Hirsi Ali, ex-députée néerlandaise, menacée de mort, après l'assassinat en 2004 de son ami le réalisateur Théo Van Gogh, accusé d'avoir blasphémé l'islam dans le film Soumission ? Les exemples s'additionnent qui, de Taslima Nasreen à Salman Rushdie, de Robert Redeker à Mohamed Sifaoui, apportent la preuve que l'intégrisme islamiste impose sa loi par la terreur. Combien d'Algériens, de femmes au Maghreb, au Proche-Orient, en Turquie, au Pakistan ont déjà payé du prix de leur vie le refus de se soumettre à l'obscurantisme religieux ?

Si, par malheur, l'ONU devait consacrer l'imposition de tels critères, si le blasphème devait être assimilé à du racisme, si le droit à la critique de la religion devait être mis hors la loi, si la loi religieuse devait s'inscrire dans les normes internationales, ce serait une régression aux conséquences désastreuses, et une perversion radicale de toute notre tradition de lutte contre le racisme, qui n'a pu et ne peut se développer que dans la liberté de conscience la plus absolue.

L'Assemblée générale de décembre 2007 a déjà entériné des textes condamnant des formes d'expression considérées comme diffamatoires de l'islam. L'enjeu est clair, il est mondial : c'est de la défense des libertés de l'individu qu'il est question.

Soit les démocraties se ressaisissent, à l'exemple du Canada, qui vient d'annoncer son refus de participer à la conférence de Durban 2, estimant qu'elle risquait d'être "marquée par des expressions d'intolérance et d'antisémitisme", et cessent de s'abstenir ou de voter des résolutions contraires à l'idéal universel de 1948, soit l'obscurantisme religieux et son cortège de crimes politiques triompheront, sous les bons auspices des Nations unies. Et lorsque les paroles de haine seront transformées en actes, nul ne pourra dire : "Nous ne savions pas."

Primeiros signatários: Elisabeth Badinter, Adrien Barrot, Patrice Billaud, Pascal Bruckner, Jean-Claude Buhrer, Chala Chafiq, Georges Charpak, Christian Charrière-Bournazel, Bernard Debré, Chahdortt Djavann, Jacques Dugowson, Frédéric Encel, Alain Finkielkraut, Elisabeth de Fontenay, Patrick Gaubert, Claude Goasguen, Thierry Jonquet, Liliane Kandel, Patrick Kessel, Catherine Kintzler, Claude Lanzmann, Michel Laval, Barbara Lefevbre, Corinne Lepage, Malka Marcovich, Albert Memmi, Jean-Philippe Moinet, Jean-Claude Pecker, Philippe Schmidt, Alain Seksig, Mohamed Sifaoui, Antoine Spire, Pierre-André Taguieff, Jacques Tarnero, Michèle Tribalat, Michèle Vianes,Elie Wiesel, Michel Zaoui.

Lista completa dos signatários: ver site da Liga Internacional contra o Racismo e Antisemitismo em www.licra.org.
Este texto foi publicado na edição de 28 de Fevereiro do jornal Le Monde
JPTF 2008/03/08

março 07, 2008

Apelo ao voto no PSOE de líderes muçulmanos espanhóis gera controvérsia in ABC, 7 de Março de 2008


por J. Pagola

Entre la población musulmana residente en España ha causado cierta «perplejidad» que destacados líderes islamistas hayan pedido, expresa o tácitamente, el voto para el PSOE, un partido promotor de leyes como la que reconoce los matrimonios homosexuales -ya vigente-, o la que podría ampar legalmente las parejas de hecho. Dos «aberraciones» que el Islam -«Sharia»- prohíbe como pecado.

La Comisión Islámica, controlada por la Unión de Comunidades Islámicas de España (UCIDE) y la Federación Española de Entidades Religiosas Islámicas (FEERI), no menciona expresamente a ningún partido, pero, en un documento, pide a sus seguidores que a la hora de depositar su voto sean «conscientes de quiénes son, de entre los candidatos presentados, los que incluyen en sus programas iniciativas de restricción de derechos individuales» y «quiénes, en cambio, han estado apoyando su derecho igualitario, también a la enseñanza religiosa, sin discriminación alguna». Los propios líderes de la Comisión, que negocia con el Gobierno las demandas -subvenciones, mezquitas, profesores de religión islámica...- de la población musulmana, se encargan de disipar dudas cuando aseguran que quien restringe los derechos es el candidato Rajoy con su propuesta de un contrato de integración para inmigrantes. En nuestro país hay alrededor de 400.000 musulmanes con derecho a voto, bien porque han obtenido la nacionalización española, bien porque son españoles conversos.

Más contundente a la hora de pedir el voto para el PSOE, aunque sin citarlo expresamente, ha sido la Junta Islamista, a través de su presidente, Mansur Escudero. Este ciudadano español converso al Islam solicita el apoyo a los«partidos progresistas», eso sí, tras aclarar que la propuesta de un contrato de integración anunciada por Rajoy es «peligrosa», ya que «con este tipo de medidas, el PP se va a convertir en la referencia de la ultraderecha en Europa». En opinión de Mansur Escudero, en España «ya tenemos las leyes para poder exigir lo que deben hacer todos los ciudadanos que estén en España, sean inmigrantes o no, y no veo la necesidad de un contrato cuando está la ley para exigir y determinar las obligaciones y derechos de los inmigrantes». La Junta islámica recibió el pasado año una subvención de 100.000 euros. Se da la circunstancia de que en julio de 2006, destacados líderes musulmanes se reunieron en Estambul para aprobar un contrato de ciudadanía que favoreciera la mejor integración de los musulmanes en las sociedades europeas. En la declaración suscrita se aseguraba que «los musulmanes europeos tienen una gran oportunidad para desarrollarse como ciudadanos en un contexto pluralista, beneficiándose del acceso a la educación, prosperidad y el desarrollo. De acuerdo a la enseñanza del Islam, los musulmanes tienen el deber de promover la armonía social y las buenas relaciones con sus vecinos». Los líderes musulmanes pidieron a los gobiernos europeos que promovieran la integración, a través de medidas tales como el fomento de la educación, con el fin de alentar un mayor conocimiento y la puesta en marcha de programas sociales. El único representante musulmán procedente de España que acudió a aquella cumbre de Estambul fue, precisamente, Mansur Escudero, el mismo que ahora arremete contra el PP por proponer un contrato de integración similar.

Homosexualidad «aberrante»
En sectores de la población musulmana radicada en España, con todo, lo que más ha suscitado «perplejidad» ha sido la apuesta que algunos líderes han hecho por la candidatura del PSOE, un partido que ha promovido la ley de matrimonios homoxeasuales y que propone en su programa, para la próxima legislatura, el reconocimiento de las parejas de hecho. Algo prohibido, por aberrante, en el Corán y la «Sharia».
http://www.abc.es/20080307/nacional-politica/votos-para-pecado_200803070251.html

março 04, 2008

A Queda de Marx e a Ascensão de Maomé nos Balcãs (Parte V)



A formação dos modernos Estados-Nação nos Balcãs ocorreu num processo evolutivo substancialmente diferente da Europa Ocidental. Os antigos millet otomanos – as comunidades étnico-religiosas sujeitas ao poder imperial e teocrático do sultão-califa – só ao longo do século XIX e inícios do século XX deram lugar a formas de organização política comparáveis às da Europa Ocidental. Neste processo de libertação do poder imperial e colonial otomano, o antigo millet otomano dos cristãos ortodoxos (o rum millet), deu lugar a novas identidades seculares nacionais: gregos, sérvios, búlgaros, etc. Por sua vez, os muçulmanos otomanos (os súbditos de primeira do Estado islâmico otomano), surgiram também com identidade seculares nacionais como albaneses, bósnios, etc. Este processo histórico que ficou congelado durante a Guerra Fria, voltou a reabrir-se na última década do século XX, tendo os conflitos dramáticos que levaram à sua desagregação ocupado sistematicamente a agenda internacional. Nos últimos anos, as questões ligadas à divisão da ex-Jugoslávia perderam relevância nos media europeus e ocidentais gerando, na opinão pública, a sensação enganadora de estarem resolvidas. Todavia, a realidade no terreno é substancialmente diferente. O (teoricamente) unitário Estado da Bósnia-Herzegovina é uma construção extremamente frágil dos Acordos de Dayton (1995), integradas, na prática, por duas entidades autónomas que, de facto, vivem separadas entre si – a artificial Federação da (croata-muçulmana) da Bósnia e Herzegovina, liderada pelos muçulmanos-bósnios e a República Srpska dos sérvios-bósnios. A Macedónia, um Estado de dimensão geográfica e população diminuta tem também estrutuas estaduais frágeis. O seu funcionamneto assenta num delicado equilíbrio entre a sua maioria macedónia eslava e cristã ortodoxa, e uma minoria substancial, ainda que hetorogénea, de muçulmanos, composta sobretudo por albaneses étnicos. Quanto ao Kosovo, que nos últimos meses saíu do esquecimento e voltou a reentrar na agenda política, é um micro território composto em mais de 90% por populações albanesas (esmagadoramente muçulmanas) ambicionado converter-se em Estado soberano. Nesta última questão, a estratégia europeia e ocidental parece ser a de apostar na sua independência, perdendo a Sérvia (mais) uma parcela do seu território e população, em troca de uma aceitação da sua candidatura à União Europeia. Para além da desconformidade face ao normativo do Direito Internacional Público e aos princípios da Carta das Nações Unidas, que afirmam a soberania e a integridade territorial dos estados, esta estratégia europeia levanta, de um ponto de vista político, diversas dúvidas e interrogações. Serão micro estados como o Kosovo entidades politicamente viáveis numa região geopolítica instável como os Balcãs? A resposta mais óbvia é que tais entidades estaduais só serão viáveis se se converterem em protectorados permanente de potências estrangeiras, sejam elas ocidentais (União Europeia ou EUA) ou muçulmanas (é o caso da Turquia que, nos últimos anos, tenta desenvolver uma política externa neo-otomana, mas também de outros Estados que aspiram à liderança do mundo árabe e islâmico como a Arábia Saudita ou o Irão). Embora o protectorado europeu/ocidental possa ser a solução menos má das duas, não deixará de levantar problemas complexos e de ter custos muito elevados. À rivalidade e desconfiança entre as populações muçulmanas e as populações ortodoxas, junta-se uma outra rivalidade e desconfiança face ao próprio Ocidente, cuja raízes mais profundas se encontram na fractura milenar entre o Cristianismo Latino e o Cristianismo Ortodoxo. Por absurdo que posso parecer, esta fractura condiciona a percepção dos acontecimentos na região. Por exemplo, durante as guerras da Jugoslávia as populações ortodoxas dos Balcãs interpretaram frequentemente a actuação europeia/ocidental como uma aliança oportunista contra a Ortodoxia, punindo a Sérvia pela sua resistência às tentativas ocidentais (através do reconhecimento unilateral da independência das católicas Eslovénia e Croácia, liderado pela Alemanha e Áustria) e do Papa (através do suporte às acções dos cristãos uniatas, que são cristãos de rito ortodoxo que reconhecem a sua autoridade), com o objectivo de reunificar a Europa no plano religioso. Quanto à segunda possibilidade, um Kosovo sob influência de potências muçulmanas – algo que no médio ou longo prazo poderá ser o resultado da actual política europeia de apoiar a independência de um território, o qual está destinado a ser o segundo Estado muçulmano na Europa (os países da Organização da Conferencia Islâmica certamente estão gratos...) –, arrisca-se a reavivar na região as memórias conflituais do «jugo otomano». Mas, pior do que isso, pode re-abrir portas ao jihadismo, agora num contexto internacional mais perigoso que nos anos 90. Vale a pena recordar que nas guerras da Bósnia (1992-1995) e do Kosovo (1999) foram feitas várias tentativas de internacionalização do conflito, por sobretudo pelo líder bósnio muçulmano, Alia Izetbegovic, que via no caso do Paquistão um modelo a seguir para a Bósnia...), apelando à solidariedade da umma. A estes apelos responderam entusiasticamente os movimentos islamistas que, nos casos mais radicais, proclamaram uma jihad contra os sérvios (cerca de um milhar de ex-combatentes da jihad do Afeganistão afluíram à Bósnia). Para além disso, Estados como o Irão projectaram a sua influência através do fornecimento de armas e financiamento da aquisição de equipamento militar e a Arábia Saudita financiou (e continua a financiar) a construção de mesquitas e madrasas de rito whhabita, que difundem um Islão bastante retrógrado e estranho às populações locais. A ironia da história dos Balcãs pós-Guerra Fria é que nos tempos de Marx as coisas eram infinitamente mais simples, ou pareciam sê-lo, quando vistas do Ocidente. Que o diga a União Europeia que parece não ter aprendido as lições do passado.
JPTF 2008/03/04

março 03, 2008

A Queda de Marx e a Ascensão de Maomé nos Balcãs (Parte IV)



A situação mais complexa actualmente é a dos novos Estados que resultaram do desmembramento da antiga República Federal Socialista Popular da Jugoslávia, criada no pós II Guerra Mundial, por Josep Broz, mais conhecido como marechal Tito, nascido em 1892 de pai croata e mãe eslovena, em Kumrovec, altura ainda uma província do Império Austro-Húngaro (hoje faz parte da Croácia). Aparentemente, a paz autoritária imposta por Tito, associada à antipatia ideológica do comunismo ao «ópio do povo», teriam colocado os muçulmanos jugoslavos (tal como as outras confissões religiosas cristãs) numa situação delicada, similar, por exemplo, a dos albaneses, sob Enver Hosha. A realidade foi bastante diferente. A ruptura do governo comunista jugoslavo de Tito com a ex-URSS, que ocorreu a partir de 1948, levou o regime a procurar novas alianças no exterior. A partir de 1955, com a Conferência de Bandung, que surgiu na sequência de uma iniciativa conjunta da Jugoslávia (Tito), do Egipto (Nasser) e da Índia (Nehru), e na qual ganhou forma o Movimento dos Não-Alinhados, este movimento tornou-se na principal linha de política externa e de alianças da Jugoslávia. Esta vertente externa associada à complexidade dos equilíbrios étnico-religiosos internos favoreceu os muçulmano jugoslavos (leia-se a comunidade muçulmana da Bósnia-Herzegovina), a mais importante e mais numerosa, e, aspecto importante num Estado de «eslavos do Sul», a única formada por populações eslavas. Assim, sob a liderança de Tito, tornaram-se na principal imagem de marca de um regime que pretendia mostrar-se amigo incondicional dos povos árabes e muçulmanos, que eram a maioria dos membros do Movimento dos Não-Alinhados. Desta forma, dignitários influentes do mundo muçulmano como Kadhafi (Líbia) ou Nasser e Sadat (Egipto), foram nessa época recebidos na Jugoslávia em cerimónias simbólicas solenes, efectuadas nas principais mesquitas da Bósnia. Ainda sob os auspícios do governo de Tito e da Autoridade Suprema islâmica da Jugoslávia, ocorreram frequentes intercâmbios culturais e religiosos com o mundo árabe-islâmico e foram até construídas novas mesquitas, algo particularmente invulgar sob um regime comunista. Esta política que favoreceu a comunidade muçulmana da Bósnia – a qual, no final dos anos 60, passou a ser reconhecida com uma nação constitutiva da federação jugoslava, os Muçulmanos com «M» –, e que foi motivada por uma estratégia de um regime que pretendia apresentar-se (aos aolhos do mundo árabe e islâmico), como seguidor de Marx e de Maomé, acabou por alimentar a complexa engrenagem de um conflito que explodiu violentamente com o ruir da ordem da Guerra Fria.
JPTF 2008/02/03

março 02, 2008

A Queda de Marx e a Ascensão de Maomé nos Balcãs (Parte III)



Os muçulmanos dos Balcãs são tradicionalmenter formados por grupos bastante diversificados, quer do ponto de vista étnico-linguístico, quer do ponto de vista religioso. No plano étnico-linguístico encontramos quatro grandes grupos: os albanófonos (entre 4 milhões a 4,5 milhões, vivendo principalmente na Albânia, no Kosovo, na Macedónia e no Montenegro); os eslavófonos (cerca de 2,5 milhões), que se subdividem em falantes do servo-croata (muçulmanos/bósnios da Bósnia-Herzegovina, do Sandjak na Sérvia, do Kosovo e da Macedónia), do Macedónio (goranis do Kosovo e da Albânia e torbexes da Macedónia) e do búlgaro (pomaques da Bulgária e da Grécia); os turcófonos (pouco mais de 1 milhão), que se encontram na Trácia grega, na Bulgária, na Macedónia, e mais residualmente no Kosovo e na Roménia; e encontramos também ciganos muçulmanos, que falam o «roma» e outras línguas vernaculares, presentes um pouco por todo o conjunto dos Balcãs. Por sua vez, no plano religioso, e para além de um grau de práticas religiosas que pode ser muito variável, existem diferenças de relevo entre uma maioria sunita (de rito hanefi/hanefita), mais ou menos ortodoxa, e os grupos heterodoxos de alevis-kizilbaxes (na Trácia grega e na Bulgária), os bectaxis (em regiões da Albânia, da Macedónia e na zona de Djakovica, no Kosovo) que, entre si, têm em comum o facto de partilharem uma devoção particular por Ali, o genro do Profeta Maomé (neste sentido, e sobretudo os alevis-kizilbaxes, poderão ser considerados como uma espécie de xiismo não ortodoxo). No terreno, e fora do Islão, estas populações interagem sobretudo com populações religiosa e/ou sociologicamente cristãs, ligadas esmagadoramente ao Cristianismo Ortodoxo Oriental, e às suas diferentes Igrejas Autocéfelas de cariz nacional (grega, sérvia, búlgara, etc.), numa convivência que nem sempre é fácil e não está invulgarmente isenta de atritos. Apenas um exemplo, o caso da Grécia, que é um país democrático, membro da União Europeia desde 1981, e de longe o Estado mais consolidado e melhor sucedido dos Balcãs pós-otomanos, serve para mostrar bem a complexidade do relacionamento. Na Trácia grega existe uma minoria de populações muçulmanas na ordem das 140.000 pessoas, preservada pelo Tratado de Lausana de 1923, que regulou a dissolução do Império Otomano. Apesar da sua reduzida dimensão está na origem de frequentes atritos entre a Grécia e a Turquia, a começar na designação da mesma: no discurso oficial da Grécia são «muçulmanos»; no discurso oficial da Turquia são «turcos». Há cerca de uma década e meia atrás, a situação agudizou-se quando um dos líderes dos muçulmanos gregos, Ahmet Sadik, decidiu criar um partido comunitário «turco» e teve o apoio entusiástico de alguns partidos na Turquia e da generalidade da imprensa turca. A resposta do governo grego foi drástica: fez aprovar no Parlamento uma alteração à lei eleitoral, criando um patamar mínimo de 3% dos sufrágios a nível nacional, para um partido poder ter representação parlamentar. O resultado foi que dos três habituais deputados muçulmanos normalmente eleitos nenhum superou essa fasquia logrando entrar no Parlamento. Esta é uma medida também bem conhecida da Turquia onde a respectiva lei eleitoral impõe a obtenção de pelo menos 10% dos sufrágios a nível nacional, para um partido poder obter representação parlamentar, sendo o alvo principal desta a minoria curda.
JPTF 2/03/2008

março 01, 2008

A Queda de Marx e a Ascensão de Maomé nos Balcãs (Parte II)



A situação aparentemente insólita e paradoxal, de (re)configuração identitária dos albaneses de «marxistas» (e «maiostas») em «maometanos» (muçulmanos) - ainda por cima quando a sua população é significativamente heterogénea do ponto de vista religioso -, sugere a existência uma realidade histórica, política e sociológica bem mais complexa e do que a retratada nas análises típicas da Guerra Fria. Estas pouco ou nada conseguiam ver além do conflito ideológico entre o Ocidente e o Leste. Por sua vez, nos muitos escritos do pós-Guerra Fria sobre os Balcãs, devido às guerras que levaram ao desmembramento da Jugoslávia a partir do Verão de 1991, tenderam a prevalecer olhares parciais e leituras a-históricas sobre os acontecimentos, feitas numa linguagem e numa lógica política europeia e ocidental, alicerçada exclusivamente em conceitos, ideias e ideologias seculares como estado, nação, nacionalismo, multiculturalismo, democracia, direitos humanos, etc. Como já se pode ver pelo caso da Albânia, esta grelha de leitura é demasiado simplista e não permite apreender aspectos fundamentais do puzzle balcânico. Começando pela sua realidade histórico-sociológica, importa notar que nos actuais Estados dos Balcãs (quer nos que resultaram da divisão da Jugoslávia, como, por exemplo, a Federação da Bósnia-Herzegovina, a Macedónia e a Sérvia e o Montenegro, quer nos que são anteriores a essa situação, como a Albânia, a Grécia, a Bulgária e a Roménia), existe um número de muçulmanos, religiosos e/ou sociológicos que, no seu conjunto, atinge um valor significativo, situado algures entre os 8 e os 9 milhões. Aspecto histórico importante é que razão da sua presença na região não tem nada a ver com as grandes migrações que, nos pós-II Guerra Mundial, estão na origem das significativas comunidades de muçulmanos religiosos e/ou sociológicos que hoje existem na Europa Ocidental (num valor que se calcula ser na ordem dos 15 milhões), sobretudo em países como a França, a Alemanha, a Holanda e o Reino Unido. Inversamente deste recente Islão da Europa Ocidental, o Islão dos Balcãs é antigo e está, directa ou indirectamente, ligado à presença do Império Otomano na região, que durou cerca de cinco séculos, e que só se extinguiu com as duas guerras balcânicas de 1912-1913 e com a I Guerra Mundial. Assim, se exceptuarmos a Eslovénia, e parcialmente a Croácia, todos os Estados dos Balcãs, Hungria e Grécia incluídas, são Estados pós-otomanos, no sentido em que, ou resultaram directamente do desmembramento desse império, ou estiverem sob seu domínio por períodos de tempo variáveis e mais ou menos longos.
JPTF 2008/03/01