janeiro 28, 2007

Livro “Manifeste pour un Islam des Lumières”,, de Malek Chebel, Paris, Hachette, 2004





O modelo de integração da França que tradicionalmente conjuga a tradição republicana da laicitë com a ideia de uma cidadania igualitária (abstraindo da diferença cultural e religiosa), tem sido, nos últimos tempos, fortemente atacado pela direita conservadora e retrógrada (obcecada pelo jacobinismo e anti-clericalismo francês) e por boa parte da New Left (seduzida pela ideologia multiculturalista de influência anglo-saxónica). No caso português, onde os pensadores são escassos, e onde tradicionalmente se cultivam modelos importados, não é surpreendente que a moda intelectual e política se tenha transferido para a ideologia multiculturalista, seja na versão soft de Will Kymlicka, seja na versão hard de Iris Marion Young e outros. Quando hoje se discutem as virtudes e defeitos dos diferentes modelos de integração, valeria a pena olhar com mais atenção para o país onde existe a maior população muçulmana da Europa Ocidental, e para além da questão do véu ou da turbulência ocorrida nos subúrbios das grandes cidades, em finais de 2005. Uma das coisas que chama à atenção, quando se analisa com algum pormenor o Islão francês, é que aí existe um número particularmente significativo de muçulmanos liberais, provavelmente com maior dimensão, em termos absolutos e relativos, do que em qualquer outro país da Europa e Ocidente. Será mero acaso, ou será que a tradição republicana de, cidadania laica e igualitária também contribui para essa realidade? Seja qual for a resposta, a verdade é que em França encontramos intelectuais como Abdelwahab Medded, Ghaleb Bencheikh, Mohamed Arkoun, Soheib Bencheikh, entre outros, que sustentam e promovem um Islão aberto, tolerante, que se procura adaptar às sociedades contemporâneas (questão: quantos muçulmanos liberais já produziu a ideologia multiculturalista, em países europeus como o Reino Unido?). E encontramos também propostas reformistas importantes, como as apresentadas neste Islão da Luzes do antropólogo francês, de ascendência argelina, Malek Chebel. No seu livro, assume a influência do Iluminismo francês e europeu do século XVIII, como modelo de reforma do Islão, como explica logo nas páginas iniciais (p. 10): «A expressão ‘Islão das Luzes‘ pode surpreender. Empregue aqui no sentido que lhe dão os historiadores quando evocam o século XVIII e XIX, ela visa sobretudo mostrar que, nem o Islão, nem o mundo árabe, estão irremediavelmente zangados com a ideia de progresso». A adesão aos valores do Iluminismo e Racionalismo, feita por Malek Chabel, e a sua vontade de os utilizar na reforma do Islão é algo muito importante. Em termos intelectuais, o confronto hoje não é só contra o obscurantismo dos islamistas. Deparamo-nos com um outro projecto que nada tem a ver com o Islão - o do pós-modernismo ocidental -, mas que também adquire, nos casos mais extremos, os contornos surpreendentes de um novo obscurantismo (ver o livro de Richard Wolin, The Seduction of Unreason, 2004). Entre as 27 propostas para um Islão das Luzes, feitas no livro de Malek Chebel, há uma que, nas circunstâncias políticas actuais, inevitavelmente chama à atenção do leitor, que é a proposta de decretar a «guerra santa» como algo «inútil e ultrapassado». Como este explica (p. 39), o que está em causa é «substituir a guerra santa (jihad) por uma verdadeira ascese interior, um sacerdócio orientado em direcção ao bem, um verdadeiro aprofundamento da fé e não uma diversão obtida com a ponta da espada. A paz contra a guerra, será possível? Poucos muçulmanos aderem à necessidade de levar a guerra santa aos quatro cantos do mundo habitado, mas aqueles que a aceitam denunciá-la publicamente são ainda menos». Este espírito de crítica e de reforma de Malek Chebel mostra a enorme injustiça que se comete quando pretende ligar, indiscriminadamente, o Islão e os muçulmanos a ideologias políticas como o islamismo e ao seu extremo violento (o jhiadismo). E mostra ainda os erros que têm sido cometidos pelos governos e e autoridades nacionais e europeias, ao não apoiarem e escolherem como interlocutores os muçulmanos liberais e as suas organizações (deixando essa tarefa, frequentemente, nas mãos de indivíduos e grupos islamistas), pois estes são cruciais para a integração harmoniosa das populações muçulmanas. Uma leitura obrigatória para todos os que pretendem conhecer os ventos de reforma do Islão europeu.
JPTF 2007/01/28

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